Quem visita o Museu do Prado, pode ver na sala 75 um episódio histórico bem conhecido pelos espanhóis, mas desconhecido para a maioria dos portugueses. Ao fundo da sala, o retrato da rainha Maria Isabel de Bragança apresenta-a como a fundadora do Real Museu de Pintura e Escultura do Prado. Nesta imagem, a infanta portuguesa, mais tarde rainha espanhola, aponta com a mão direita para a conhecida pinacoteca, visível através de uma janela. Na mão esquerda, segura os planos arquitetónicos. O quadro foi pintado onze anos após a sua morte, por Bernardo López Piquer.
Nascida a 19 de maio de 1797, Maria Isabel Francisca de Assis Antónia Carlota Joana Josefa Xavier de Paula Micaela Rafaela Isabel Gonzaga de Bragança era filha de D. João VI e de D. Carlota Joaquina. Era sensível às artes, generosa, tranquila, dócil, romântica, com modos suaves e não falhava uma lição de desenho com o mestre Domingos António de Sequeira. Tal como a restante família real portuguesa, mudou-se em 1807 para o Brasil, na sequência da primeira invasão francesa.
Apenas regressará à Europa em 1814. O seu tio (irmão de Carlota Joaquina), Fernando VII, restaurara a dinastia Borbón em Espanha e tinha escrito à sua irmã a pedir-lhe a mão da filha Maria Francisca, bem como a da infanta Maria Isabel para o seu irmão Carlos Isidro. As negociações ainda se arrastaram, mas ambas as infantas acabaram por partir para Cádis em 22 de março de 1816. Devido ao estado do mar, apenas chegam ao destino cinco meses depois.
Dali, rumam a Madrid, onde conhecerão os seus esposos (estavam já casadas por procuração). Ambas as infantas são aceites sem dote, algo estranho na época. Mas num continente em guerra com França e Napoleão, nenhuma casa real tem dinheiro para dotes.
No livro Infantas de Portugal, Rainhas em Espanha, Marsilio Cassotti descreve Maria como sendo “roliça, descorada, de olhos esbugalhados, nariz proeminente, boca pequena e aspecto pouco inteligente”. Verdade seja dita: Fernando VII também não é encantador. “Tem baixa estatura, forte compleição, o nariz monumental e o gesto antipático”, escreve Cassotti, além de “modos camponeses”.
Apesar da primeira impressão negativa, Maria Francisca conquista a população ao mandar desmarcar os festejos do seu casamento, para não aumentar os sacrifícios do povo, massacrado pela Guerra da Independência.
O marido não se revela um homem apaixonado, mas mesmo assim têm uma filha, que será amamentada pela mãe, ao contrário do costume da época na aristocracia. A bebé acaba por não sobreviver, mas a segunda gravidez não tarda. O parto difícil e prolongado provoca convulsões que paralisam o corpo da rainha, que parece morta. Maria Francisca sofre de epilepsia, algo que os cirurgiões que estão a fazer o parto desconhecem, e por isso pedem ao rei para fazer uma cesariana de urgência.
De nada serviram os apelos da sua irmã, que alertou para a doença de Maria Francisca e para a possibilidade de ela estar viva. A cirurgia acaba por avançar, sendo que, quando lhe cortam o ventre, Maria grita de dor. A operação continua, dando origem a uma grande hemorragia, e a paciente não resiste. A criança faleceria também minutos depois. Nas ruas, circula o boato de que a rainha morreu duas vezes.
Estávamos em 26 de dezembro de 1818. Nesse dia, já se encontravam no Museu do Prado 850 quadros, a mando da rainha. O museu abrirá ao público em novembro do ano seguinte, já sem a sua fundadora, estando expostas ao público 311 obras, vindas de coleções reais e da nobreza, e selecionadas pelo marquês de Santa Cruz e por Vicente López, pintor da corte.
Hoje, o acervo do Museu do Prado engloba cerca de 8600 pinturas, mais de cinco mil desenhos, duas mil gravuras, setecentas esculturas, cerca de mil moedas e medalhas e quase duas mil peças de artes decorativas.
Vida difícil de Isabel de Bragança em Madrid
A jovem rainha não foi feliz em Madrid, graças à vida devassa do seu marido, completamente desinteressado por ela, e também ao sentimento geral que se tinha criado a seu respeito, por não ter uma grande beleza e por não ter engordado os cofres régios com o seu dote. “Fea, pobre y portuguesa, chúpate esa”, dizia-se em Madrid.
Como forma de dissipar as mágoas, a rainha acabou por se ocupar com a proteção das artes e artistas e com a criação do Museu do Prado. Escrevia igualmente um diário íntimo, recheado de melancolia e amargura, e cartaz queixosas à sua mãe, que, no entanto, era de pouco consolo, dizendo-lhe que “a resignação é a divisa dos santos”.