Muito antes de os campos alentejanos se tornarem sinónimo de planícies douradas, azeite e queijos premiados, houve um tempo em que a região acolheu colonos vindos de terras distantes.
Chegaram do sul de França, perseguidos pelas suas crenças religiosas, e encontraram no Alentejo uma promessa de paz, terra e futuro.
Estamos no século XII. Portugal dava os primeiros passos como reino independente e vivia tempos de reconquista. Após a tomada de territórios aos mouros, surgia a urgência de povoar e defender o sul. D. Sancho I, sucessor de Afonso Henriques, abriu as portas a estrangeiros dispostos a fixar-se em regiões ainda vulneráveis.
E foi assim que franceses de sotaque occitano se espalharam pela então chamada Herdade da Açafa, zona que corresponde hoje ao distrito de Portalegre.
De Nice a Nisa, de Albi a Alpalhão
Para quem percorre hoje a raia alentejana, os nomes soam familiares: Nisa, Tolosa, Alpalhão, Montalvão, Arêz. Mas a origem destes topónimos pode surpreender: são heranças diretas de cidades do sul de França — Nice, Toulouse, Albi, Montauban ou Arles — de onde vieram muitos dos colonos.
Fugiam da perseguição aos cátaros, considerados hereges pela Igreja, e viam no Alentejo um refúgio com solo fértil e liberdade relativa.
Instalados com apoio dos Templários, receberam privilégios fiscais e forais que garantiam autonomia e segurança. Algumas práticas culturais e religiosas não passavam despercebidas.
O catarismo, com a sua visão austera e igualitária do cristianismo, chocava com a ortodoxia católica. Ainda assim, durante alguns anos, floresceu discretamente por entre igrejas, castelos e campos de cultivo.
Uma nova vida, novos sabores
Com os colonos chegaram técnicas agrícolas inovadoras, e a pastorícia ganhou expressão. Diz-se que a tradição que está na base do queijo de Nisa nasceu dessa herança, com o uso de leite cru de ovelha e cardo.
A paisagem foi sendo moldada ao ritmo do gado e da enxada, e os costumes misturaram-se com os dos portugueses já instalados.
Mas nem tudo correu bem. As tensões com as populações locais, os ataques muçulmanos e a desconfiança religiosa foram crescendo.
E, no século XIII, com o início da Inquisição, ser cátaro passou a ser um risco de vida.
Um legado discreto, mas persistente
Muitos colonos partiram. Outros assimilaram-se, adotando a língua e religião locais. O que ficou foram nomes de família, costumes rurais, receitas e até certas formas de organizar o espaço agrário.
É uma memória ténue, quase apagada, mas que resiste em fragmentos do quotidiano alentejano.
Este capítulo esquecido da história revela como Portugal foi sempre uma encruzilhada de povos e influências.
No caso do Alentejo, até os forasteiros vindos de França ajudaram a desenhar a identidade de uma região que, séculos depois, ainda guarda o eco da sua chegada.










