No norte de Portugal, a proximidade ao galego ouve-se nos sotaques, nas palavras partilhadas e, para quem se interessa por línguas, nas perguntas que surgem: será o galego apenas uma variante do português? Ou são línguas diferentes que partilham uma origem comum?
A questão não é tão simples quanto parece. Em Portugal, raramente se discute o tema. Mas do outro lado do Minho, na Galiza, esta é uma questão cultural e política ativa. A discussão não é nova: remonta a diferenças que começaram a surgir a partir da independência de Portugal, no século XII.
No tempo de Afonso Henriques, falava-se na Galiza e no norte de Portugal uma língua comum: o galego-português. Foi esta a língua dos primeiros textos literários portugueses e galegos, das cantigas medievais e da corte. Quando Portugal se autonomizou, a língua dos dois territórios evoluiu separadamente.
Mesmo assim, durante séculos, a proximidade manteve-se. No século XIX, os galegos ainda falavam um idioma tão próximo do português que a comunicação era direta. A fronteira política não impediu a compreensão. No entanto, o galego não era ensinado nem escrito. Quem escrevia, fazia-o em castelhano.
Com o ressurgimento literário da Galiza (o Rexurdimento) e, mais tarde, com o fim da ditadura de Franco, o galego tornou-se oficial na região. Foi preciso decidir como seria escrita esta língua. Surgiram então duas orientações:
- Os defensores de uma ortografia própria, baseada no castelhano: com “ñ”, “ll”, “z”, etc.
- Os reintegracionistas, que defendem uma ortografia próxima do português-padrão: com “nh”, “lh”, “ç”, por exemplo.
A norma castelhanizada foi a que vingou oficialmente, mas o movimento reintegracionista continua ativo, publicando textos e ensinando galego como uma variante do português.
A diferença entre galego e português é semelhante à que existe entre o português europeu e o brasileiro. Mas enquanto Portugal e Brasil assumem uma língua comum com variantes, na Galiza optou-se por uma separação simbólica.
Porém, é possível ler galego sem o aprender. E é possível ouvir um galego e responder em português, sem tradutor.
Essa inteligibilidade mútua é rara entre línguas diferentes. Daí que, para alguns, o galego seja apenas outro nome da nossa língua.
Apesar da proximidade, os portugueses continuam pouco atentos ao galego. A maioria desconhece que se pode ler literatura galega sem dicionário ou que há milhares de galegos a aprender português para acederem ao espaço lusófono.
A boa notícia? Esta ponte continua aberta. Qualquer falante de português pode atravessá-la e descobrir uma língua irmã, com sonoridades e palavras que nos são familiares.
Uma oportunidade rara na Europa: dois povos separados por oitocentos anos de história política, mas ainda tão próximos na forma de falar.