É sabido que a arte do “desenrascanço” é uma característica bem portuguesa, mas houve um cidadão nacional que levou essa característica para lá dos limites e acabou assim por passar à história como sendo o maior burlão da história de Portugal. A burla foi de tal dimensão que causou uma crise financeira que levou anos a resolver.
O seu nome era Artur Virgílio Alves dos Reis, que concebeu um plano que pode parecer louco, mas que quase resultou. Deixamos-lhe aqui a história deste homem, que fabricou notas de 500 escudos e que quase acabou por comprar o Banco de Portugal.
Alves dos Reis nasceu em Lisboa, a 8 de setembro de 1896. Ficou conhecido por ser o cérebro por trás da maior falsificação de notas da história de Portugal, em 1925, mas forjou também documentos e assinaturas, bem como habilitações, comprou ações de forma ilegal, e passou cheques sem cobertura, cometendo assim uma grande lista de delitos ao longo da sua vida.
A sua carreira de criminal ganha força em Angola, onde chega em 1916. Por essa altura, falsificou um diploma de Oxford e apresenta-se na então colónia portuguesa como sendo um engenheiro, formado numa escola que não existe, a Polytechnic School of Engineering. O diploma dizia que Alves dos Reis era especialista em tudo, desde a física à mecânica, passando pela engenharia civil e a geologia, bem como por outras áreas do saber.
Pode parecer estranho, mas o esquema em África acabou por resultar e Alves dos Reis conseguiu comprar (usando um cheque sem cobertura) a maioria das ações dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, em Moçâmedes. Dessa forma, conseguiu a fortuna que tanto ambicionava há muito tempo, uma vez que a falta de dinheiro o tinha obrigado a sujeitar-se a humilhações perante a abastada família da mulher, Luísa Jacobetty.
Como ele não era reconhecido na metrópole, decide regressar a Lisboa em 1922, e inicia-se na revenda de automóveis. Mesmo assim, o espírito golpista levou a que tentasse apoderar-se da Companhia Ambaca. O golpe começou de forma idêntica aos anteriores esquemas, através de cheques sem cobertura, mas depois de entrar na companhia, usou dinheiro da própria Ambaca para cobrir os cheques que tinha passado anteriormente.
Este golpe acabou por não correr como previsto, e antes que Alves dos Reis assumisse o controlo total da Ambaca, foi demitido por desfalque e acusado de tráfico de armas. Foi preso, mas isso não o demoveu. Seria na prisão que iria delinear a sua burla mais ambiciosa até à data, precisamente aquela que o fez entrar para a história.
A empresa que imprimia as notas para o Banco de Portugal era a Waterlow&Sons, de Londres. Alves dos Reis forjou um contrato, que foi reconhecido num notário, falsificou assinaturas da administração do Banco de Portugal e pôs o seu plano em marcha. Não estava sozinho nesta demanda, já que tinha por cúmplices o financeiro holandês Karel Morang, um espião alemão e, entre outros, José Bandeira, um irmão do embaixador português em Haia.
A situação política de Portugal deu também uma ajuda ao golpe, já que os governos eram formados rapidamente, e rapidamente, mergulhando o país numa crise económica desesperante. Alves dos Reis consegue assim convencer os ingleses que a impressão de notas era para ser feita de forma muito reservada, e que esse dinheiro seria para um empréstimo destinado ao desenvolvimento de Angola.
O famoso burlão falsificou ainda cartas do Banco de Portugal para a Waterlow&Sons. Tinha assim quase tudo pronto para o golpe perfeito, que o poderia tornar num dos mais importantes homens do país. Com a documentação aparentemente em ordem, a empresa inglesa imprimiu 200 mil notas, com o valor de 500 escudos. Isso equivalia a qualquer coisa como 1% do PIB português da altura.
As notas tinham a efígie de Vasco da Gama e data de 17 de novembro de 1922. A burla foi de tal ordem, que a dada altura o número de notas falsas a circular era quase idêntico ao das verdadeiras. As notas chegavam por via diplomática ao nosso país, através do cúmplice que era irmão do embaixador português em Haia.
Mas Alves dos Reis não fica por aqui. Em junho de 1925, cria o Banco Angola e Metrópole. Para conseguir o alvará dedicou-se a mais uma série de falsificações. O esquema resulta e ele começa um período de vida faustosa e de grandes gastos. Mas havia ainda um objetivo a alcançar. Na altura, o Banco de Portugal era em parte privado. Alves dos Reis aposta na compra de ações para o controlar e, assim, cobrir as falsificações, impedindo futuras investigações.
Esteve bastante perto de conseguir controlar a fonte do dinheiro no nosso país, mas acabou por não conseguir. A verdade é que logo em 1925 começaram a surgir rumores de que havia notas falsas em circulação, apesar de os especialistas não terem detetado nada. Alves dos Reis ficou descansado, até surgir em campo a imprensa, mais concretamente o jornal O Século, que era na altura o mais importante jornal português.
Alguns jornalistas ficaram intrigados com o que se passava no mercado cambial e questionaram os empréstimos que o Banco Angola e Metrópole fazia, a juros muito baixos, não recebendo depósitos. A 5 de dezembro de 1925, o esquema sai a público, pela mão desses mesmos jornalistas. Os depósitos de notas de 500 novas, em nome do Banco que pertencia a Alves dos Reis, são investigados, e encontra-se uma nota duplicada, situação que se iria multiplicar nos dias seguintes.
Alves dos Reis acabou por ser preso no dia 6 de dezembro de 1925. Mesmo assim, durante o seu tempo na prisão, conseguiu convencer um juiz de que o Banco de Portugal estava envolvido no esquema todo, e até conseguiu falsificar documentos no cárcere. Foi julgado em 1930 e acabou por ser condenado a 8 anos de prisão e 12 de degredo. Apesar de tudo, foi libertado em 1945.
Totalmente falido, foi mais tarde condenado por uma burla, relacionada com a venda de café angolano. Alves dos Reis acabou por morrer em 1955, vítima de um ataque cardíaco, um homem que tudo teve e que com nada ficou. Acabou assim por ficar conhecido com o título de maior burlão da nossa história, epíteto nada honorífico, mas que lhe assenta muito bem.