Dificilmente se encontra uma palavra que provoque tanta curiosidade fora de Portugal como “saudade”. Mais do que um termo, é um traço da nossa identidade, um reflexo da forma como sentimos o mundo e o tempo. E, apesar de tantas tentativas, continua a ser quase intraduzível.
Mas de onde vem esta palavra que tantos consideram única? E o que nos diz sobre a nossa língua e a nossa forma de estar?
A origem mais consensual entre os linguistas aponta para o latim solitatem, que significa “solidão”. Ao passar pela fase do galego-português, entre os séculos IX e XIV, esta forma evoluiu para soidade. Mais tarde, por influência de palavras como “saúde” e “saudar”, acabaria por se transformar em “saudade”.
É uma evolução que faz sentido: o sentimento de ausência, de quem está longe ou já não está, liga-se naturalmente à ideia de solidão. Mas a “saudade” vai para além disso — carrega também memória, afeto e um certo desejo de reencontro.
Há quem defenda uma origem árabe, associando a palavra a termos como saudah ou suwayda, ligados à melancolia e à teoria dos quatro humores da medicina antiga.
No entanto, esta hipótese tem pouca sustentação histórica. E mesmo que tivesse, a ideia de “melancolia” não seria suficiente para explicar toda a carga emocional da “saudade”.
Independentemente da sua origem, foi a literatura que fez da “saudade” aquilo que ela é hoje. A poesia trovadoresca medieval, os amores trágicos de Pedro e Inês, os versos de Camões, as confissões de Garrett, os escritos de Pessoa ou as crónicas de Miguel Torga — todos ajudaram a dar forma e profundidade a esta palavra.
Mais tarde, a música, sobretudo o fado, deu-lhe voz. A “saudade” canta-se em Lisboa, no Porto, em Coimbra e por todo o país. Está nos versos, nos silêncios e nas guitarras.
Não existe uma tradução que faça justiça à palavra “saudade”. Há aproximações — nostalgia, añoranza, manque, Sehnsucht — mas todas elas falham num ponto ou noutro. Talvez por isso, muitos estrangeiros acabam por adotá-la tal como é. Aceitam que há coisas que só se dizem bem em português.
Mais do que uma curiosidade linguística, a “saudade” é um espelho da cultura portuguesa. Nasceu da nossa história, da nossa geografia e das partidas que marcaram gerações.
E continua a ser, hoje, uma das palavras que melhor definem o modo como sentimos — com profundidade, com memória e com a esperança de voltar a encontrar aquilo que nos falta.