Ao largo do arquipélago da Madeira, quase a meio caminho entre a ilha principal e as Canárias, encontra-se um grupo de ilhas pouco conhecido, mas de importância extraordinária: as Ilhas Selvagens.
Distantes 300 km do Funchal e apenas 165 km das Canárias, são o território mais a sul de Portugal e uma das áreas marinhas mais bem preservadas da Europa.
Este pequeno sub-arquipélago é composto por duas ilhas principais — a Selvagem Grande e a Selvagem Pequena — e vários ilhéus. A sua inacessibilidade e o carácter inóspito impediram qualquer tentativa de colonização, mas não reduziram o seu valor ecológico. Pelo contrário: são hoje um santuário para aves marinhas e um exemplo de conservação da biodiversidade.
Desde 1971, as Selvagens são uma reserva natural e, mais recentemente, passaram a integrar a maior área marinha totalmente protegida da Europa. São também detentoras do Diploma Europeu do Conselho da Europa para Áreas Protegidas, distinção atribuída a poucos locais em todo o continente.
Na Selvagem Grande, encontra-se a base de apoio ao Parque Natural da Madeira. A ilha tem falésias escarpadas, clima subtropical e vestígios de antigas tentativas de exploração agrícola.
Durante séculos, os seus recursos — como a urzela e outras plantas usadas na tinturaria e saboaria — geraram lucros para os proprietários. Hoje, a presença humana é limitada a vigilância ambiental, feita por guardas e elementos da Marinha e da Polícia Marítima.
A Selvagem Pequena é ainda mais intocada. Nunca teve ocupação humana nem introdução de gado, o que permitiu preservar a vegetação nativa e 11 espécies endémicas de plantas. Este isolamento torna-a especialmente relevante para estudos científicos.
As cagarras, aves marinhas migratórias, encontram aqui um dos seus maiores refúgios. Entre março e setembro, cerca de 30 mil casais nidificam nas ilhas, tornando este arquipélago num dos mais importantes locais de reprodução da espécie.
Apesar da sua dimensão reduzida, as Selvagens já foram alvo de atenção internacional. Espanha, devido à proximidade com as Canárias, contestou o estatuto geográfico das ilhas — não para as reclamar, mas para limitar a zona económica exclusiva portuguesa.
A disputa foi resolvida em 2015, com a confirmação do seu estatuto de ilhas, reforçando os direitos marítimos de Portugal.
O acesso ao arquipélago é muito restrito. Só se permite a entrada mediante autorização do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza da Madeira, e apenas para fins científicos ou educativos. As visitas são acompanhadas por guias e limitadas a pequenos grupos.
Para além da ciência e da biodiversidade, as Selvagens alimentam também o imaginário popular. Conta-se que o pirata escocês William Kidd terá escondido aqui um tesouro roubado a um galeão espanhol. Nunca foi encontrado, mas a história já inspirou expedições — e acrescenta um toque de mistério a este refúgio natural quase intocado.
As Ilhas Selvagens não são destino de férias, nem figuram nos folhetos turísticos. Mas são, sem dúvida, um tesouro natural e científico, cuja proteção é essencial para garantir que continuam a ser o que sempre foram: um pedaço intacto do Atlântico.