Não é só no fado da Mouraria ou de Alfama que se canta a beleza de Lisboa. Ao longo dos séculos, os nossos melhores poetas tentaram definir por palavras a beleza de uma cidade que não tem definição possível.
Afinal de contas, Lisboa não se explica por palavras. Quanto muito, explica-se por sentimentos presentes na música, no fado ou na poesia. Conheça os 10 poemas mais bonitos sobre Lisboa.
1. Lisboa
Alguém diz com lentidão: “Lisboa, sabes…” Eu sei. É uma rapariga descalça e leve, um vento súbito e claro nos cabelos, algumas rugas finas a espreitar-lhe os olhos, a solidão aberta nos lábios e nos dedos, descendo degraus e degraus e degraus até ao rio. Eu sei. E tu, sabias?
Eugénio de Andrade, in Até Amanhã, 1956
2. Lisboa
Digo: “Lisboa” Quando atravesso – vinda do sul – o rio E a cidade a que chego abre-se como se do seu nome nascesse Abre-se e ergue-se em sua extensão noturna Em seu longo luzir de azul e rio Em seu corpo amontoado de colinas – Vejo-a melhor porque a digo Tudo se mostra melhor porque digo Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência Porque digo Lisboa com seu nome de ser e de não-ser Com seus meandros de espanto insónia e lata E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro Seu conivente sorrir de intriga e máscara Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata Lisboa oscilando como uma grande barca Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência Digo o nome da cidade – Digo para ver
Sophia de Mello Breyner Andresen (1977), in Obra Poética, 2011
3. E de novo, Lisboa, te remancho,
E de novo, Lisboa, te remancho, numa deriva de quem tudo olha de viés: esvaído, o boi no gancho, ou o outro vermelho que te molha. Sangue na serradura ou na calçada, que mais faz se é de homem ou de boi? O sangue é sempre uma papoila errada, cerceado do coração que foi. Groselha, na esplanada, bebe a velha, e um cartaz, da parede, nos convida a dar o sangue. Franzo a sobrancelha: dizem que o sangue é vida; mas que vida? Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui, na terra onde nasceste e eu nasci?
Alexandre O’Neill, in De Ombro na Ombreira, 1969
4. Balada de Lisboa
Em cada esquina te vais Em cada esquina te vejo Esta é a cidade que tem Teu nome escrito no cais A cidade onde desenho Teu rosto com sol e Tejo Caravelas te levaram Caravelas te perderam Nas manhãs da tua ausência Tão perto de mim tão longe Tão fora de seres presente Esta é a cidade onde estás Como quem não volta mais Tão dentro de mim tão que Nunca ninguém por ninguém Em cada dia regressas Em cada dia te vais. Em cada rua me foges Em cada rua te vejo Tão doente da viagem Teu rosto de sol e Tejo Esta é a cidade onde moras Como quem está de passagem Às vezes pergunto se Às vezes pergunto quem Esta é a cidade onde estás Com quem nunca mais vem Tão longe de mim tão perto Ninguém assim por ninguém
Manuel Alegre, in Babilónia, 1983
5. O Terceiro Corvo
Oh Lisboa como eu gostava de ser o terceiro corvo do teu emblema… estar implícita na tua bandeira negra e branca como tinta e papel como escrita e espaço! Ser teu desenho tua nova lenda invenção deste século que já não inventa e se interroga: donde vieram estes corvos? Como tu, Vicente, eu também não sou de cá não sou daqui não pertenço a esta terra e talvez nem sequer a este mundo… Porém estou aqui nesta dolorosa praia lusitana cheia de um tumulto inútil que enegrece as tuas areias e polui o ventre do rio que os golfinhos há muito desertaram E olhando as nuvens dedilhadas pelo vento sentindo a terna dor do teu sentir sentido peço-te, Lisboa: surge de novo bela reinventa a santidade perdida do teu emblema
Ana Hatherly, in Em Lisboa sobre o mar, Poesia 2001-2010
6. Aos jacarandás de Lisboa
São eles que anunciam o verão. Não sei doutra glória, doutro paraíso: à sua entrada os jacarandás estão em flor, um de cada lado. E um sorriso, tranquila morada, à minha espera. O espaço a toda a roda multiplica os seus espelhos, abre varandas para o mar. É como nos sonhos mais pueris: posso voar quase rente às nuvens altas – irmão dos pássaros –, perder-me no ar.
Eugénio de Andrade, in Os Sulcos da Sede, 2001
7. Lisboa
Cidade branca semeada de pedras Cidade azul semeada de céu Cidade negra como um beco Cidade desabitada como um armazém Cidade lilás semeada de jacarandás Cidade dourada semeada de igrejas Cidade prateada semeada de Tejo Cidade que se degrada cidade que acaba.
Adília Lopes, in Poemas Novos, 2006
8. Lisboa com suas casas
Lisboa com suas casas De várias cores, Lisboa com suas casas De várias cores, Lisboa com suas casas De várias cores… À força de diferente, isto é monótono. Como à força de sentir, fico só a pensar. Se, de noite, deitado mas desperto, Na lucidez inútil de não poder dormir, Quero imaginar qualquer coisa E surge sempre outra (porque há sono, E, porque há sono, um bocado de sonho), Quero alongar a vista com que imagino Por grandes palmares fantásticos. Mas não vejo mais, Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras, Que Lisboa com suas casas De várias cores. Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa. À força de monótono, é diferente. E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo. Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo, Lisboa com suas casas De várias cores.
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), in Poesias de Álvaro de Campos, 1934
9. Tejo
Aqui e além em Lisboa – quando vamos Com pressa ou distraídos pelas ruas Ao virar da esquina de súbito avistamos Irisado o Tejo: Então se tornam Leve o nosso corpo e a alma alada
Sophia de Mello Breyner Andresen (1994), in Obra Poética, 2011
10. À Lisboa das naus cheias de glória
Lisboa à beira-mar, cheia de vistas, Ó Lisboa das meigas Procissões! Ó Lisboa de Irmãs e de fadistas! Ó Lisboa dos líricos pregões… Lisboa com o Tejo das Conquistas, Mais os ossos prováveis de Camões! Ó Lisboa de mármore, Lisboa! Quem nunca te viu, não viu coisa boa… Ai canta, canta ao luar, minha guitarra, A Lisboa dos Poetas Cavaleiros! Galeras doidas por soltar a amarra, Cidades de morenos marinheiros, Com navios entrando e saindo a barra De proa para países estrangeiros! Uns pra França, acenando Adeus! Adeus! Outros pras Índias, outros… sabe-o Deus! Ó Lisboa das ruas misteriosas! Da Triste Feia, de João de Deus, Beco da Índia, Rua das Fermosas, Beco do Fala-Só (os versos meus…) E outra rua que eu sei de duas Rosas, Beco do Imaginário, dos Judeus, Travessa (julgo eu) das Isabéis, E outras mais que eu ignoro e vós sabeis. (…)
fora do pays, a cerca de 40 anos.
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