O relógio marcava 18h37 quando, a 11 de setembro de 1985, dois comboios colidiram de frente na Linha da Beira Alta, junto ao pequeno apeadeiro de Moimenta-Alcafache, em Mangualde.
Foi o maior acidente ferroviário da história de Portugal — e um dos mais trágicos episódios da memória coletiva nacional. Passaram-se quatro décadas, mas o número exato de vítimas continua por apurar. Fala-se em mais de 100 mortos. Só 14 foram formalmente identificados.
O Sud-Express, comboio internacional que ligava o Porto a Paris, partira com 17 minutos de atraso. Transportava cerca de 400 passageiros, na sua maioria emigrantes portugueses que regressavam aos países de acolhimento depois das férias de verão.
No mesmo troço da linha, circulava um comboio regional que havia saído da Guarda rumo a Coimbra. Ambos os comboios seguiam em sentidos opostos, numa linha com via única em quase todo o percurso.
O cruzamento estava previsto para acontecer na estação de Mangualde. Contudo, por erro de avaliação — e, sobretudo, por falhas de comunicação — o comboio regional seguiu viagem, assumindo que teria tempo suficiente para cruzar mais à frente, em Nelas. O Sud-Express, entretanto, também não parou.
O choque, inevitável, deu-se a alta velocidade, com ambas as composições a circular a mais de 100 km/h.
O impacto foi devastador. As locomotivas foram destruídas e várias carruagens incendiadas, alimentadas pelo gasóleo e pelos sistemas de aquecimento.
Os materiais utilizados nas carruagens, longe de serem resistentes ao fogo, contribuíram para a propagação rápida das chamas e para a produção de densas nuvens de fumo. Muitos passageiros morreram presos nos destroços, sem conseguir escapar. Outros sucumbiram às queimaduras ou à asfixia.
O cenário descrito pelos bombeiros foi de absoluto horror. A vegetação envolvente ardeu, o caos instalou-se, e os hospitais da região, especialmente o de Viseu, rapidamente ficaram sobrelotados. A Força Aérea e o Exército foram mobilizados para evacuar os feridos mais graves.
Perante tamanha tragédia, o então Presidente da República, Ramalho Eanes, deslocou-se ao local nessa mesma noite e garantiu que o país tinha o direito de saber o que acontecera.
As imagens da tragédia passaram na televisão poucas horas depois, algo pouco comum na altura. Foi Eanes quem autorizou a transmissão, consciente do impacto que teria. A resposta da população não se fez esperar: centenas de pessoas dirigiram-se aos hospitais para doar sangue.
O governo de Mário Soares decretou três dias de luto nacional e mandou instaurar um inquérito. Este viria a concluir que o acidente resultou de erro humano: o atraso do Sud-Express não foi comunicado atempadamente, e falharam as medidas que poderiam ter evitado a colisão.
Mas, apesar dos julgamentos e dos quatro arguidos levados a tribunal, ninguém foi condenado. Não havia registos escritos ou eletrónicos. Era palavra contra palavra.
A tragédia de Alcafache expôs falhas graves no sistema ferroviário português da época: comunicações rudimentares, ausência de sinalização eficaz e inexistência de sistemas de emergência capazes de travar os comboios em movimento.
Só depois do acidente foram implementadas medidas estruturais, como a instalação de sistemas de controlo de velocidade e comunicações por rádio.
No local do desastre, foi erguido um monumento junto à vala comum onde repousam as vítimas não identificadas. A memória da tragédia sobrevive, ano após ano, nas cerimónias que ali decorrem.
Mas subsiste também um silêncio que nunca foi totalmente quebrado — o silêncio dos que partiram sem nome e dos que ficaram sem respostas.







