Pouco se fala deles, mas estiveram cá. Enquanto os lusitanos ganharam destaque nas páginas da nossa história, os túrdulos ficaram nas margens da memória coletiva.
No entanto, este povo pré-romano habitou o atual território português, especialmente a zona a leste do Alentejo, entre os vales do Guadiana e do Guadalquivir, e tem muito mais relevância do que possa parecer à primeira vista.
De Tartesso a Porcuna
Os túrdulos são descendentes da civilização de Tartesso, uma cultura que floresceu no sul da Península Ibérica graças aos contactos com gregos e fenícios. Rica em metais, arte e escrita,
Tartesso desapareceu por volta do século VI a.C., provavelmente devido à pressão cartaginesa ou a alterações no curso do Guadalquivir. Mesmo assim, os túrdulos mantiveram traços dessa herança.
A capital deste povo situava-se no ópido de Ipolka — mais tarde Obulco para os romanos —, correspondente à actual cidade de Porcuna, na Andaluzia.
Como muitos outros povos ibéricos, os túrdulos viviam em ópidos, povoações fortificadas em zonas elevadas, e dedicavam-se à agricultura, à criação de gado, à metalurgia e ao comércio.
Língua própria e arte singular
Uma das particularidades mais interessantes dos túrdulos era o seu sistema de escrita. Usavam um alfabeto próprio, com 28 letras, derivado do fenício — algo que os distinguia de outros povos ibéricos.
Ainda hoje são escassas as inscrições conhecidas nesta língua, muitas delas gravadas em pedra ou metal, contendo nomes de pessoas, locais e divindades.
A arte túrdula também se destacava pelos seus motivos geométricos e figuras animais, como se pode ver nos célebres bronzes encontrados em Porcuna. Esta expressividade visual revela uma ligação profunda com a natureza e com o simbolismo religioso do seu quotidiano.
Política, religião e migrações
Organizados em cidades-estado independentes, os túrdulos mantinham entre si ligações culturais e comerciais. A sua religião era politeísta, com divindades associadas aos ciclos da natureza e aos astros — uma espiritualidade que refletia as preocupações práticas e existenciais da época.
Por volta do século V a.C., parte deste povo migrou para norte, acompanhando os Celtici, e instalou-se na região que hoje conhecemos como Beira Litoral. Eram conhecidos como os “túrdulos velhos”.
Alianças e resistência
Ao longo da sua história, os túrdulos cruzaram-se com vários povos, incluindo os lusitanos, turdetanos, cartagineses e, mais tarde, os romanos. Resistiram aos cartagineses e aos próprios lusitanos em certos momentos, mas chegaram a aliar-se aos galaicos e aos lusitanos contra as legiões romanas.
Essa resistência não foi suficiente para travar o avanço romano. No final do século I a.C., os túrdulos foram finalmente conquistados e integrados na Hispânia Ulterior. A língua e cultura foram gradualmente absorvidas, e com o tempo, a identidade túrdula diluiu-se na romanização.
Um legado pouco lembrado
Hoje, os túrdulos são uma nota de rodapé na história peninsular. No entanto, o seu passado está inscrito na terra que pisamos.
Foram parte do mosaico de povos que moldaram o que viríamos a chamar Portugal, e por isso, vale a pena lembrar que não foram apenas os lusitanos que aqui viveram antes de Roma chegar.










