Alguns portugueses conseguem destacar-se nas mais variadas áreas, sendo um símbolo das nossas qualidades nacionais. Existem exemplos em áreas como a arte, arquitetura, futebol e até no exército. Neste último caso, falamos em específico no soldado mais condecorado da história do exército, que ficou conhecido como Soldado Milhões.
Aníbal Augusto Milhais, o futuro Soldado Milhões, nasceu a 9 de julho de 1895 e sempre foi um homem valente. Graças à sua coragem, tornou-se o soldado português mais condecorado da 1ª Guerra Mundial, tendo sido inclusivamente condecorado no campo de batalha com a Ordem Militar da Torre e Espada, a mais alta honraria.
Tudo isto num homem que, à primeira vista, poderia parecer um ser humano simples. Tinha 1,55 m de altura e, a princípio, ninguém esperava que dali viesse um grande herói.

Mas os homens não se medem aos palmos. Aníbal embarca para um país que não conhece aos 20 anos, para combater na guerra. Inicialmente, foi recrutado e incorporado no Regimento de Bragança, passando mais tarde para o Regimento de Chaves.
O homem aparentemente banal revelou-se um atirador de elite, conseguindo disparar a uma distância de 200 metros. Em 1917, partiu para a frente de combate. Um ano depois, acontece a famosa Batalha de La Lys.
Nessa batalha, ocorrida a 9 de abril de 1918, os alemães atacaram as forças portuguesas. Segundo dizem as crónicas, nesse dia, a situação não podia ser pior para o exército nacional.
As forças portuguesas estavam destroçadas, e os poucos sobreviventes sentiram-se obrigados a retirar, especialmente após a ordem de evacuar ter sido dada. Mas Aníbal não era um homem qualquer, e disponibilizou-se para lá ficar de forma voluntária, permitindo que os restantes soldados tivessem mais hipóteses de sobrevivência ao efetuarem a sua retirada.

Apesar de correr o risco de ser punido por desobedecer a ordens, Aníbal não abandonou a sua posição e ficou sozinho a defrontar o inimigo. A sua decisão foi importante, por permitir aos companheiros escapar e recuarem em segurança para linhas mais resguardadas, a cerca de 30 km. Graças à coragem do Soldado Milhões, a maioria dos soldados que fizeram a retirada acabou por sobreviver.
Usou a sua baixa altura de forma sagaz e, ao longo de dias, movimentou-se furtivamente, saltando de trincheira em trincheira, para recarregar a metralhadora com os cartuchos dos soldados mortos e dar a impressão de que a linha ainda se encontrava protegida por diversos soldados, quando, na verdade, apenas Aníbal e a sua metralhadora Luísa se encontravam a defender a linha. Quando o setor foi tomado de assalto pelos alemães, já Milhais se encontrava longe.
Para se esconder e deixar passar os alemães, ele chegou a aproveitar uma tela de tenda e a carcaça de um cavalo morto. Vagueou sozinho pelos campos, durante dias, com apenas algumas amêndoas doces para comer.
Chegou a metralhar alemães para salvar um grupo de escoceses de serem capturados e, mais tarde, salvou um major escocês de morrer afogado numa passagem a nado.
Este major deu conta dos feitos deste transmontano ao exército aliado, e o pequeno Aníbal tornou-se uma lenda. Aí nasceu a sua alcunha, quando foi efusivamente recebido pelo seu comandante, que lhe disse “Chamas-te Milhais, mas vales Milhões!”.
Aníbal Augusto Morais acabou por receber, diretamente no campo de batalha, o Colar de Torre e Espada, como homenagem pelos seus feitos. Recebeu esta honraria perante o desfile em continência de 15 mil soldados aliados.
Após o armistício, o Soldado Milhões, lenda viva do exército, regressa a Portugal a 2 de fevereiro de 1919. Em homenagem ao seu herói, o nome da sua terra, Valongo, passa a ser Valongo de Milhais.
Na sua terra, casa com Maria de Jesus e, juntos, têm 10 filhos, chegando apenas 8 a adultos. Vivem dias difíceis, a trabalhar no campo, e Milhais decide emigrar para o Brasil em 1928, para fazer face à crise.
Na sua aldeia, realizam um peditório para pagarem a Milhais a viagem de regresso a Portugal, dizendo que “um herói da pátria não deve estar emigrado; deve estar mas é no seu país, como símbolo, como reserva de um conjunto de valores”.
Assim, o Soldado Milhões volta a Portugal a 5 de agosto de 1928, voltando ao trabalho no campo para sustentar os filhos. O Estado Português decide atribuir-lhe uma pensão, como reconhecimento da nação. Mas esse apoio era de apenas 15 escudos mensais, algo que se manteve ao longo de 22 anos.
Milhais faleceu a 3 de junho de 1970, com 75 anos. As medalhas que conquistou no campo de batalha fizeram dele o soldado português mais condecorado da história, um feito que levou a que, na altura, lhe aumentassem a pensão para pouco mais de 100 escudos por mês.