As ruínas romanas de Troia estão situadas na margem esquerda do rio Sado, na face noroeste da península de Troia, no município de Grândola. Correspondem aos restos de um povoado que se dedicava à pesca e ao fabrico e exportação de conservas de peixe (garum), uma iguaria muito apreciada pelos romanos. O povoado esteve ativo desde o século I até o século VI d.C., sendo parte do território da cidade de Salácia (atual Alcácer do Sal).
As ruínas abrangem várias estruturas que testemunham a vida quotidiana e económica dos habitantes, como oficinas de salga, casas, termas, necrópoles, um columbário e uma basílica paleocristã. Estão classificadas como Monumento Nacional desde 1910 e fazem parte da lista indicativa a património mundial da UNESCO.
A salga de peixe era uma atividade muito importante para os romanos, pois permitia conservar o peixe por longos períodos e aproveitar as partes menos nobres do animal. O produto mais famoso era o garum, um molho feito com vísceras e sangue de peixe fermentados com sal, ervas e especiarias. O garum era usado como tempero para vários pratos, sendo considerado um símbolo de status e riqueza.
A península Ibérica era uma das principais regiões produtoras de garum e outras conservas de peixe, graças à abundância de recursos marinhos, à qualidade do sal e à proximidade dos mercados consumidores. Dentro da península Ibérica, a região do Sado destacava-se pela sua produção e exportação, sendo Tróia o maior centro industrial do género no Império Romano.
Estima-se que em Tróia existissem cerca de 200 oficinas de salga, que ocupavam uma área de 20 hectares. Estas oficinas empregavam milhares de trabalhadores, entre pescadores, salgadores, oleiros e comerciantes. A produção anual podia chegar a 15 mil toneladas de conservas, que eram enviadas para todo o império em navios que partiam do porto fluvial situado junto às ruínas.
Características das oficinas de salga
As oficinas de salga eram construções retangulares ou quadradas, com paredes em alvenaria e cobertura em telha. No interior, havia tanques ou bacias (cetárias) onde se colocava o peixe misturado com sal. O processo de fermentação durava cerca de dois meses, até se obter o garum ou outras conservas. O líquido era depois filtrado e armazenado em ânforas.
As ânforas eram recipientes cerâmicos com duas asas e um gargalo estreito. Tinham formas variadas consoante a origem e o conteúdo. As ânforas usadas em Tróia eram do tipo Dressel 7-11 ou Lusitana 1-2. Tinham uma capacidade média de 40 litros e pesavam cerca de 20 quilos quando cheias. Eram fechadas com tampões de cortiça ou barro e seladas com betume ou cera.
As ânforas eram marcadas com inscrições que indicavam o nome do produtor, o tipo de produto, a data e o destino. Estas marcas serviam para identificar e controlar a qualidade e a quantidade das mercadorias. Algumas ânforas também tinham desenhos ou símbolos decorativos.
Evidências da vida social, religiosa e cultural dos habitantes
Além das oficinas de salga, as ruínas romanas de Tróia mostram também outros aspetos da vida dos habitantes do povoado. Por exemplo:
- As casas eram geralmente modestas, com um ou dois pisos. Algumas tinham pinturas nas paredes ou mosaicos no chão. As casas mais ricas pertenciam aos proprietários das oficinas ou aos comerciantes.
- As termas eram locais públicos onde as pessoas podiam tomar banho quente ou frio, fazer exercício físico ou conviver socialmente. Em Tróia existiam duas termas: uma junto ao porto fluvial e outra junto à basílica paleocristã.
- As necrópoles eram os locais onde se enterravam os mortos. Em Tróia foram identificadas três necrópoles: uma junto ao porto fluvial, outra junto à basílica paleocristã e outra junto ao mar. Os túmulos podiam ser simples covas ou monumentos mais elaborados.
- O columbário era uma construção funerária onde se depositavam as cinzas dos mortos em nichos semelhantes a pombais. Em Tróia existe um columbário com cerca de 200 nichos.
- A basílica paleocristã era um edifício religioso onde se celebrava o culto cristão. Em Tróia existe uma basílica do século V d.C., que substituiu um templo pagão anterior. A basílica tem três naves separadas por colunas e um átrio com um batistério.
Curiosidades históricas e arqueológicas sobre o sítio
As ruínas romanas de Tróia têm também algumas curiosidades históricas e arqueológicas que vale a pena conhecer:
- A península onde se localiza Tróia era provavelmente uma ilha na época romana, chamada Ácala. Alguns autores identificam esta ilha com a ilha mítica das Oestrimnides ou das Hespérides.
- A roda de água (rota aquaria) é uma estrutura única no mundo romano. Trata-se de uma roda hidráulica horizontal que servia para elevar água do rio Sado para abastecer as oficinas ou as termas.
- A infanta (e futura rainha) D. Maria I patrocinou as primeiras escavações arqueológicas conhecidas em Tróia no século XVIII. Por isso, algumas casas romanas foram chamadas \”Casas da Princesa\”.
- Em 1850 foi fundada a Sociedade Arqueológica Lusitana, que realizou escavações em Tróia e descobriu pinturas murais e mosaicos nas \”Casas da Princesa\”. Infelizmente, estes elementos decorativos desapareceram com o tempo.
- Em 1979 foi descoberta uma estátua colossal em mármore representando um imperador romano (provavelmente Augusto). A estátua tem cerca de três metros de altura e pesa cerca de cinco toneladas.