Em Portugal, o café não é apenas uma bebida: é um ritual, um ponto de encontro, um hábito diário. Mas, dependendo da região, o nome dado a esse pequeno prazer varia.
No Porto pede-se um cimbalino; em Lisboa, é uma bica. A origem desta designação lisboeta desperta curiosidade e tem várias versões associadas à história da capital.
Em plena Baixa lisboeta, a Brasileira do Chiado é hoje um ponto turístico incontornável, mas no início do século XX foi palco de um fenómeno cultural e comercial que ajudou a moldar o hábito do café na cidade.
Fundado em 1905 por Adriano Telles, um comerciante que trouxe café do Brasil, o espaço começou por oferecer uma chávena de café gratuita a quem comprasse meio quilo de grãos.
A bebida, de sabor forte e amargo, causava estranheza a muitos. Para suavizar essa resistência, terá sido colocada uma placa com a inscrição “Beba Isto Com Açúcar” — e assim nascia, segundo uma das versões, a famosa sigla BICA.
Outra explicação atribui o termo à própria forma como o café era servido. Os clientes prefeririam o café que saía diretamente da “bica” da máquina — uma espécie de torneira — em vez daquele que passava por bules, por se considerar que assim mantinha melhor o sabor e a temperatura.
O artista Stuart Carvalhais, presença habitual na Brasileira, terá sido um dos primeiros a pedir que o café fosse servido dessa forma, ajudando a tornar o termo popular.
Independentemente da teoria mais próxima da verdade, o certo é que a bica se tornou parte integrante da vida quotidiana de Lisboa. Pequena, forte e servida em chávena aquecida, é equivalente ao expresso italiano e acompanha, com frequência, conversas de balcão, jornais abertos ou um simples momento de pausa.
Ao contrário de outras expressões regionais que se perdem com o tempo, a bica mantém-se viva e carregada de identidade. Pedir uma bica é um gesto automático para muitos lisboetas, tão natural como atravessar a rua ao som do elétrico 28.
O fascínio português pelo café manifesta-se na diversidade de formas como é preparado e servido. De norte a sul, o país tem nomes e tradições próprias. No Porto, como já referimos, o cimbalino é rei — homenagem à marca Cimbali, fabricante das máquinas mais utilizadas nas décadas passadas.
Há ainda o abatanado (mais longo), o carioca (mais fraco), o galão (com muito leite), o pingado (com apenas uma gota de leite), o descafeinado, o garoto, o café com cheirinho e até o mazagran, uma versão fria com limão. Cada um tem o seu espaço, o seu momento e o seu público.
A bica, para os lisboetas, é mais do que uma bebida. É um gesto diário, uma marca de pertença e um testemunho da forma como pequenas tradições resistem ao tempo.
Pode ser curta, cheia, com ou sem açúcar — mas continua a ser, em Lisboa, o nome mais genuíno para aquele café que desperta e acompanha o dia.










