A ideia de que a frase «não há nada» está errada tem ganho terreno entre algumas pessoas mais atentas à linguagem. A justificação parece lógica: se duas negações anulam uma à outra, então dizer «não» e «nada» na mesma oração seria equivalente a afirmar algo. Mas será mesmo assim?
A resposta é simples: não. E o motivo está na forma como funciona a sintaxe da língua portuguesa.
A confusão vem da lógica matemática, que nos ensina que duas negações equivalem a uma afirmação. E é verdade, nesse contexto. No entanto, nas línguas naturais – como o português – a coisa é bem diferente.
Dizer «não há nada» não é o mesmo que dizer que há alguma coisa. É uma forma perfeitamente válida de negar a existência de algo.
Isto porque não é o número de palavras negativas que define se uma frase é afirmativa ou negativa, mas sim a estrutura da oração. «Não há nada naquela sala» é uma oração negativa, apesar de conter duas palavras com valor negativo.
O mesmo acontece com «não quero nada» ou «não vi ninguém». São frases negativas – e estão corretas.
A nossa língua tem regras próprias que nem sempre coincidem com a lógica matemática.
Em português, é comum haver orações negativas com mais do que uma palavra de negação. Isso não transforma automaticamente a frase numa afirmação.
Aliás, é essa mesma construção que permite a clareza da mensagem. Se alguém dissesse apenas «há nada» ou «isso custa nada», a estranheza seria imediata.
São frases que violam a gramática do português, mesmo que obedeçam à tal regra lógica das duplas negações.
Esta ideia de que não se pode dizer «não há nada» poderá até ter vindo de fora. Em inglês, por exemplo, a norma padrão desaconselha construções como there isn’t none, obrigando ao uso de any em vez de none. Mas o português não funciona como o inglês. Nem tem de funcionar.
O francês, por exemplo, exige duas palavras para negar: je ne sais pas. Em português, tanto podemos dizer «ninguém veio» como «não veio ninguém» — e ambas as formas são corretas.
A construção «não há nada» é gramaticalmente correta e está de acordo com o funcionamento interno da língua portuguesa.
Não representa uma falha de lógica, nem é uma má influência do uso popular. É, simplesmente, o modo como o português expressa uma negação.
Afinal, cada língua tem os seus mecanismos próprios – e o nosso idioma não é exceção.
Não há, pois, razão nenhuma para condenar frases como «não há nada». O erro está em acreditar que há um erro onde ele não existe.










