Portugal tem uma longa e rica história, recheada de personalidades que viraram lendárias e que ainda hoje são recordadas, muitos séculos após a sua morte. Uma dessas pessoas é o rei D. Sebastião, que assumiu o trono ainda muito jovem e que desapareceu em Alcácer Quibir sem deixar descendência, abrindo um precedente para uma crise dinástica gravíssima que levou à perda da nossa independência nacional.
D. Sebastião nasceu em 1554, em Lisboa, e era filho de D. João Manuel, Príncipe de Portugal, e da sua esposa Joana da Áustria. Com a morte do pai, ainda antes do seu nascimento, o menino foi jurado herdeiro pelo seu avô, D. João III, até porque todos os filhos deste monarca faleceram precocemente. Assim, D. Sebastião assumiu o trono ainda menor, servindo de regentes a sua avó, D. Catarina, e mais tarde o seu tio-avô, o cardeal D. Henrique.
D. Sebastião nunca chegou a casar e a ter filhos, pelo que o seu desaparecimento na Batalha de Alcácer Quibir, a 4 de agosto de 1578, fragilizou e muito a nossa nação, deixando Portugal num contexto extremamente delicado. Como não havia sucessor, a coroa do reino teve de ser assumida pelo seu parente mais próximo, o já idoso cardeal D. Henrique. Mas isto não era solução, porque D. Henrique não conseguiria deixar descendência, devido ao seu cargo eclesiástico.
O Cardeal, quinto filho de D. Manuel I, nunca perspetivou ser rei, e tinha apenas ambições religiosas. D. Henrique foi o nosso 17º rei, embora tenha ocupado o cargo por pouco tempo: dois anos depois de o assumir, em 1580, faleceu sem ter deixado descendência e sem ter nomeado um sucessor, o que levou a uma luta pelo trono português.
Neste contexto delicado, perfilaram-se diversos candidatos a ocupar o trono, como D. Catarina de Bragança, D. António (prior do Crato) e D. Filipe II de Espanha. A coroa acabou por cair nas mãos do rei espanhol, tornando-se este Filipe I de Portugal e inaugurando-se assim a dinastia Filipina, que duraria seis décadas e ao longo da qual Portugal perdeu a sua independência.
Foi ao longo do reinado de Filipe I que se foi criando a ideia de que, num dia de nevoeiro, D. Sebastião apareceria, para salvar o reino, criando-se assim o mito do sebastianismo, o que, naturalmente, acabou por abrir caminho a diversos impostores.
E é aqui que começa a história de Mateus Álvares, nascido na Praia da Vitória, nos Açores. Este homem era filho de um pedreiro e estava longe de ter sangue azul, tendo vindo para Portugal Continental devido à sua entrega à vida religiosa. Passou por locais como Óbidos e o Convento de Santa Cruz, em Sintra, tendo mais tarde encontrado refúgio numa gruta em São Julião, a sul da Ericeira, onde viveu por muitos anos.
Mateus era um homem magro e ruivo, com diversas parecenças com D. Sebastião, algo de que tirou partido quando percebeu que a própria população segredava que “aquele homem talvez fosse mesmo D. Sebastião”.
Isto hoje pode-nos parecer estranho, até porque vivemos numa era com fotos, vídeos e imagens espalhadas por todo o lado, mas, na altura, e apesar de o rei ser a pessoa mais importante do país, poucos saberiam exatamente como ele era.
E assim, a boa nova de que D. Sebastião estava vivo espalhou-se, e a esperança sentida por todos deixou a população local mais confiante de que Mateus era efetivamente o rei. O próprio Mateus aproveitava-se dessa dúvida, assumindo o papel de rei e exigindo beija-mão às pessoas.
Casou com a filha de um lavrador, Ana Susana, e colocou-lhe na cabeça uma tiara, roubada de uma imagem religiosa. Chegou até a reunir um pequeno exército, muito desorganizado e mal armado, que ganhou algumas pequenas batalhas, mas que se revelou insuficiente face ao poderoso inimigo espanhol.
Assim, a ambição de Mateus Álvares levou-o à morte, a 13 de junho de 1585, a mando das tropas de D. Filipe I. Antes de ser capturado, ainda tentou salvar a situação, dizendo “Estais livres portugueses! Olhai bem para mim – não sou D. Sebastião, mas sou um homem bom, um bom português que vos libertou do jugo castelhano. Agora sois livres, escolhei e proclamai Rei quem quiserdes!”. Mas foi tarde demais.
Mateus foi capturado e entregue à mercê de D. Filipe I, tendo o condenado sido enforcado e esquartejado. A sua mão direita foi pendurada numa porta, como aviso de que o novo rei de Portugal não iria tolerar ousadias.
Juntamente com Mateus Álvares, morreram outras pessoas, a maioria homens da sua confiança, como o seu sogro. Todos morreram no Alto da Forca, que ainda hoje se pode encontrar na Ericeira.
D. Filipe I de Portugal acabou por dar um perdão geral às pessoas que sobreviveram, ou seja, aos “rústicos do concelho de Sintra”. Apesar de a história de Mateus Álvares não ter terminado bem, acabou por ser um grito de esperança ao espírito nacionalista e ao mito de que D. Sebastião iria voltar, e abrindo caminho a novos usurpadores.