No coração do único parque nacional do país, há um lugar onde o tempo parece ter abrandado. A Mata de Albergaria, um dos núcleos mais emblemáticos do Parque Nacional da Peneda-Gerês, não é apenas uma mancha verde no mapa: é um testemunho vivo do que já foi a floresta autóctone portuguesa — densa, diversa, e resistente à passagem dos séculos.
Situada na freguesia de Campo do Gerês, concelho de Terras de Bouro, esta mata ocupa cerca de 1200 hectares e é hoje uma das últimas expressões da floresta primitiva do noroeste peninsular.
A sua importância ecológica é reconhecida, protegida e regulamentada — mas isso não a livra da pressão crescente do turismo e da curiosidade desinformada.
Dominada por carvalhos galaico-portugueses, alguns com mais de 500 anos, a Mata de Albergaria acolhe um ecossistema frágil e único. A luz, filtrada pelas copas altas, desenha padrões irregulares no solo coberto de musgo.
O ar é húmido, fresco, marcado pelo som de riachos e pelo canto de aves raras. O cenário é idílico, mas a fragilidade do equilíbrio ecológico obriga à imposição de regras apertadas: acesso automóvel limitado, taxa de entrada simbólica (1,5€ por veículo), horários fixos e proibição de acampamento ou fogueiras.
Essas restrições não são decorativas. São o que impede que a Mata de Albergaria se torne mais um espaço natural degradado pela presença humana excessiva. O trânsito automóvel está fortemente condicionado, e a recomendação das autoridades é clara: estacionar na Portela do Homem e seguir a pé.
Quem o faz é recompensado com uma experiência rara em território português — uma caminhada por entre árvores seculares, vestígios históricos e vida selvagem.
O valor histórico da mata é inseparável do seu valor ecológico. Atravessa-a a antiga Geira Romana, ou Via Nova, estrada construída no século I da nossa era para ligar Bracara Augusta (Braga) a Asturica Augusta (Astorga, em Espanha).
A calçada romana, ainda visível em vários troços, é ladeada por marcos miliários com inscrições sobre imperadores e distâncias, tornando a caminhada num exercício de arqueologia a céu aberto.
Além da vegetação exuberante, a mata serve de habitat a várias espécies emblemáticas do Gerês. Veados, javalis, raposas, lobos ibéricos e esquilos-vermelhos vivem — ou sobrevivem — entre os carvalhais. A avifauna também é diversa, com melros, estorninhos e pica-paus a marcarem presença.
Em tempos, o urso-pardo habitou estas paragens. Desapareceu há séculos, mas continua a ser um símbolo da biodiversidade perdida — e do que está em risco de desaparecer.
A mata, apesar da sua proteção legal, não está imune a ameaças. O aumento do turismo, muitas vezes mal gerido, a proliferação de atividades recreativas fora das zonas autorizadas e a falta de consciência ambiental entre alguns visitantes são riscos reais.
Por isso, há normas claras a cumprir: não colher plantas, não introduzir animais domésticos, não danificar árvores, respeitar o horário de visita (das 8h às 20h), e, sobretudo, entender que o direito a usufruir da natureza implica o dever de a proteger.
A Mata de Albergaria não é um parque de lazer nem um cenário para fotografias virais. É um lugar de memória natural, onde o que está vivo depende da contenção de quem entra. Preservá-la exige mais do que admiração. Exige comportamento.










