Enquanto os incêndios continuam a devastar vastas zonas do interior centro de Portugal, um nome emerge como exceção: Mata da Margaraça.
Localizada em Arganil, no coração da Serra do Açor, esta área florestal conseguiu, em pleno mês de agosto de 2025, conter as chamas dentro do seu núcleo principal – um comportamento pouco comum face ao padrão de destruição que se repete ano após ano noutras regiões do país.
A explicação não está apenas na sorte. A Mata da Margaraça reúne um conjunto de características que a distinguem da maioria das florestas portuguesas.
Desde logo, a composição: ao contrário das extensas monoculturas de eucalipto ou pinheiro-bravo, altamente inflamáveis, esta mata abriga uma floresta caducifólia rica em espécies autóctones – carvalhos, castanheiros, azereiros, azevinhos ou loureiros. Árvores com menos resina, maior densidade de copa e folhagem mais húmida, que dificultam a ignição e abrandam a progressão das chamas.
Acresce a geografia: situada numa encosta orientada a norte-noroeste, entre os 600 e os 850 metros de altitude, e com presença constante de linhas de água, a mata beneficia de um microclima fresco e húmido.
Essas condições tornam-se decisivas quando as temperaturas extremas e a seca criam um cenário altamente propício ao fogo.
Mas a Margaraça não é apenas resistente. É também única. Com referências documentais desde o século XIII, este espaço é hoje uma das mais bem conservadas manchas de vegetação original do Centro do país.
Classificada como Reserva Biogenética pelo Conselho da Europa e integrada na Rede Natura 2000, a mata é vista pelos especialistas como um relicário da floresta Laurissilva continental — um tipo de vegetação que remonta a períodos mais húmidos e temperados da história climática europeia.
O valor ecológico do local é difícil de sobrestimar. Aqui foi identificado o maior núcleo de azereiros (Prunus lusitanica) da Península Ibérica.
Entre 2018 e 2019, uma tese de doutoramento em Biologia da Conservação registou 272 espécies de cogumelos, 74 das quais nunca antes observadas em território nacional.
Junte-se a isto a presença de aves como o açor e o pombo-torcaz, mamíferos como a raposa, ou anfíbios endémicos como o tritão-de-ventre-laranja, e percebe-se porque é que a Mata da Margaraça é considerada um laboratório natural a céu aberto.
A par da biodiversidade, há também património humano e cultural. A mata acolheu rendeiros até ao século XIX, e vestígios da atividade agrícola subsistem sob a forma de moinhos, fornos e casas de lavoura.
Hoje, os visitantes podem percorrer vários trilhos pedestres, de acesso livre, e contemplar não apenas a vegetação rara, mas também a memória de um modo de vida quase desaparecido.
A Mata da Margaraça não é imune ao fogo – o grande incêndio de 2017 deixou cicatrizes visíveis. Mas representa, cada vez mais, um modelo alternativo de paisagem: mais diversa, mais resiliente, menos sujeita ao ciclo vicioso da plantação intensiva e do abandono.
Num país onde os verões se tornam mais longos e os fogos mais destrutivos, talvez seja tempo de ouvir o que esta floresta silenciosa tem para ensinar.










