No sopé da serra de Aire, em Minde, resiste uma língua que poucos conhecem, mas que diz muito sobre criatividade, resiliência e identidade: o mindérico.
Falado por cerca de mil pessoas, sobretudo mais velhas, este idioma nasceu no século XVIII como um código entre comerciantes de mantas, transformando-se, com o tempo, num verdadeiro meio de comunicação comunitário.
O mindérico surgiu da necessidade prática de manter segredos. Os comerciantes mindericos viajavam por Portugal (e não só), vendendo mantas de lã tecidas artesanalmente.
Para discutirem preços, clientes e concorrência sem se denunciarem, criaram um código linguístico próprio — inicialmente funcional, mas que acabou por enraizar-se na vida quotidiana da população local.
Este idioma não ficou restrito ao negócio. Foi ganhando espaço na esfera familiar, na vida religiosa, no convívio social. De simples artifício estratégico, passou a traço identitário.
Ao contrário do que se possa pensar, o mindérico não é apenas uma variação do português. Tem vocabulário próprio, uma gramática distinta e até sons específicos representados com letras diferentes da norma.
Por exemplo, o som do “r” forte escreve-se com “h” — “hato” em vez de “rato” — e o som de “ch” escreve-se com “x”, como em “xapéu”.
Curiosamente, possui três géneros gramaticais: masculino, feminino e neutro – este último reservado para conceitos mais abstratos. Além disso, inclui casos gramaticais, algo ausente no português moderno, para indicar funções das palavras na frase.
O vocabulário é, por vezes, poético e metafórico: “piação” significa fala, inspirando-se no canto dos pássaros — os “charales”, como os mindericos eram apelidados.
Hoje, o mindérico está classificado como língua em perigo pela UNESCO. A transmissão às gerações mais novas é escassa, e a maioria dos falantes encontra-se em idade avançada. No entanto, não faltam esforços para contrariar este cenário.
O Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social (CIDLeS) tem desempenhado um papel crucial na documentação, ensino e promoção do idioma, sempre em parceria com a comunidade local.
Por outro lado, o Centro de Artes e Ofícios Roque Gameiro, em Minde, acolhe aulas de mindérico abertas a todos, mantendo também disponível um glossário atualizado da língua. E a cultura não fica de fora: festivais, música, teatro e livros continuam a dar palco ao idioma minderico.
O mindérico é mais do que um idioma minoritário — é o reflexo de uma comunidade que se adaptou, resistiu e criou um universo linguístico singular. Preservá-lo é reconhecer o valor da diversidade cultural e linguística do país.
Quem visita Minde não encontra apenas uma terra de mantas; encontra também um testemunho vivo da imaginação e da força de um povo. E talvez, com sorte, ouça ainda alguém dizer umas palavras em mindérico.










