Hoje associamo-la a tragédias e catástrofes, mas a origem da palavra “desastre” remete-nos para os céus – mais precisamente, para um mau alinhamento das estrelas.
A língua portuguesa está cheia de palavras que guardam ecos de crenças antigas e modos de pensar já distantes.
Uma delas é “desastre”, termo que usamos para descrever acontecimentos graves, muitas vezes inesperados, que causam sofrimento, perdas ou destruição. Mas por detrás deste uso moderno esconde-se uma origem curiosa, enraizada nas estrelas.
Etimologicamente, “desastre” deriva do latim disastrum, combinação de dis- (prefixo com valor negativo) e astrum (estrela). A palavra significava, literalmente, “má estrela” — ideia que reflete a antiga convicção de que os astros tinham influência direta sobre o destino humano.
Durante séculos, a astrologia foi uma ferramenta central para interpretar o mundo. Os movimentos celestes eram lidos como sinais, e o destino das pessoas, dos reis e até dos povos, acreditava-se, podia depender do posicionamento dos astros.
Um “desastre”, nesse contexto, era mais do que um infortúnio. Era o reflexo de um cosmos em desordem, de uma conjunção desfavorável que punha em risco a harmonia da vida na Terra.
Com o avanço da ciência e o progressivo abandono da astrologia como forma de explicação do mundo, “desastre” perdeu a sua ligação directa às estrelas — mas manteve o impacto do seu significado.
Hoje, usamos a palavra para designar tanto fenómenos naturais, como terramotos e inundações, como eventos provocados pela ação humana: guerras, colapsos financeiros, acidentes industriais.
O termo passou a descrever qualquer acontecimento súbito com efeitos devastadores, independentemente da sua causa.
Para além da sua presença no quotidiano, “desastre” atravessa também a cultura popular. É um tema recorrente no cinema, na literatura e nas artes visuais, muitas vezes usado como metáfora para crises pessoais, sociais ou morais.
A permanência da palavra e a sua adaptação a novos contextos mostram como a língua evolui com a sociedade.
“Desastre” deixou de ser um destino celeste para se tornar um reflexo das nossas vulnerabilidades, medos e desafios.
Estudar a origem das palavras é também uma forma de conhecer a história das ideias.
No caso de “desastre”, a viagem etimológica leva-nos do céu estrelado das crenças antigas às realidades concretas do mundo moderno.
E mesmo que hoje se olhe menos para as estrelas à procura de respostas, a palavra mantém o seu peso – lembrando que, por vezes, o vocabulário que usamos para descrever o presente continua a ecoar visões muito antigas sobre o universo e o lugar do ser humano dentro dele.










