Perseguidos em Portugal, encontraram abrigo em Londres. E foi de lá que mudaram o rumo de uma das batalhas mais decisivas da Europa.
Em pleno século XVI, enquanto Portugal expulsava e convertia à força milhares de judeus sefarditas, muitos encontravam refúgio noutras paragens — e alguns acabariam por desempenhar papéis bem mais importantes do que se poderia imaginar.
Em 1588, a Inglaterra enfrentava uma ameaça real: a Armada Invencível, enviada por Filipe II de Espanha, preparava-se para invadir a ilha.
A derrota parecia improvável — mas não foi o que aconteceu. E parte do mérito foi de um grupo discreto de comerciantes e refugiados vindos de Portugal.
De perseguidos a aliados estratégicos
Depois da expulsão dos judeus de Espanha em 1492, Portugal acolheu muitos exilados. Mas a breve tolerância acabou em 1496, com conversões forçadas e repressão religiosa.
As rotas da diáspora seguiram por toda a Europa: Veneza, Constantinopla, Amesterdão, Bordéus — e também Londres. Muitos dos que chegaram à capital inglesa viviam com identidades assumidamente cristãs, mas mantinham a fé judaica em segredo. Eram os chamados marranos, ou cristãos-novos.
Essas famílias portuguesas, ricas em contactos comerciais e fluentes em várias línguas, cedo se tornaram peças-chave na economia inglesa — e, em certos casos, na política de bastidores. Um desses homens foi Hector Nunes, médico, comerciante e agente duplo.
Um alerta ao cair da noite
Nascido por volta de 1520, Nunes fugiu da Inquisição e instalou-se em Inglaterra. Aparentemente dedicado ao comércio, mantinha correspondência com Filipe II, fazendo-se passar por aliado.
Mas quando, em 1588, soube que a Armada espanhola partira de Lisboa com destino à costa inglesa, não hesitou: abandonou a mesa de jantar, correu até à corte e alertou Francis Walsingham, secretário de Isabel I. A notícia chegou a tempo — e a frota inglesa preparou-se para enfrentar o ataque.
O resultado é conhecido: a Armada Invencível foi derrotada. Menos de metade dos navios regressou a Espanha. Nunes e os seus contactos tinham prestado um serviço vital à monarquia inglesa — enquanto, simultaneamente, punham em evidência o valor estratégico da diáspora judaica portuguesa.
Quando Lisboa perdeu o que Londres ganhou
Enquanto em Portugal se queimavam livros e se impunham batismos forçados, outras capitais beneficiavam da saída dos judeus sefarditas. Lisboa deixou de ser centro de comércio global; Londres ganhou essa posição.
Diamantes, especiarias, tabaco e café passavam agora por redes comerciais controladas por judeus portugueses — homens e mulheres que, forçados ao exílio, mostraram que a sobrevivência também pode ser sinónimo de influência.
Num curioso jogo de ironias históricas, Portugal, que os expulsou, acabou por ver os seus antigos súbditos desempenharem papéis decisivos noutras coroas — incluindo na vitória inglesa sobre uma potência que, na altura, também governava o território português.










