Filipe II foi coroado rei de Portugal em 16 de Abril de 1581 nas Cortes de Tomar. Antes de agregar a coroa portuguesa a castelhana teve que ganhar o apoio de nobres lusos depois de derrotar António, Prior de Crato na Batalha de Alcântara, instalou-se em Lisboa onde passou cerca de três anos. Durante esse tempo viveu como um português pela sua forma de se comportar, de vestir e de comer, tendo sempre em vista também em sua política os interesses de Portugal, terra natal da sua mãe, a imperatriz Isabel.
Identidade Portuguesa
O carinho e afecto que Filipe II sentia por Portugal era evidente por ter mão portuguesa e por ser neto do grande Dom Manuel I. “Filipe concretizou um projecto que vinha desde a Idade Média, o de fazer coincidir a união geográfica com a política”, recorda o historiador, “Dom Manuel tinha um sonho imperial e Filipe II tinha o mesmo sonho que o avô”. Ainda que muitas vezes isto tenha sido ignorado “Filipe II teve muitas atitudes e medidas que se inspiraram em seu avô materno e na grande imperatriz Isabel, sua mãe, tão querida pelos espanhóis”.

Isabel falava em português com seu filho, consumia comida portuguesa e ademais tinha uma dama de companhia de seu país natal, Leonor de Mascarenhas, que foi responsável pelos primeiros cuidados dados ao príncipe. Filipe II que perdeu a sua mãe com somente 13 anos em 31 de maio de 1539, vítima de parto mal-sucedido, sempre teve em conta a importância de tudo o que era português na sua vida e tentou transmitir a mesma coisa aos seus filhos, quando em cartas as infantas Isabel Eugénia e Catarina Micaela pedia que o seu filho pequeno Diego estudasse a língua de Camões.
O seu primeiro matrimónio foi com a infanta portuguesa Maria Manuela, com quem teve o malogrado príncipe Dom Carlos. Felipe II depois da morte de Dona Maria Manuela em 12 de Agosto de 1545, também quase contraiu matrimónio com a duquesa de Viseu, Dona Maria, filha de Dom Manuel I e da sua terceira esposa, Leonor da Áustria, tia materna de Filipe. O monarca também manteve uma relação amorosa ilícita com a portuguesa Isabel de Osório com quem teve dois filhos e a quem ofereceu o Palácio de Saldañuela em Burgos, na Espanha.
Filipe e Portugal
Depois da morte e do desaparecimento de D. Sebastião na malfadada Batalha de Alcácer-Quibir em 04 de Agosto de 1578, o seu tio, o velho cardeal Dom Henrique, assumiu a coroa portuguesa, mas veio a falecer dois anos depois em 31 de Janeiro de 1580. Com a sua morte, o conflito dinástico se iniciou-se entre António, Prior de Crato, filho bastardo de D. Luís e neto de D. Manuel I e Filipe II da Espanha, filho de Carlos V com a primogénita de D. Manuel I, a infanta Isabel.
Neste conflito “buscaram-se muitos argumentos e houve uma autêntica batalha jurídica que mobilizou uma enorme quantidade de letrados e universidades. Obviamente quem tinha mais poder económico, mobilizava e atraia mais apoios para suas reivindicações”, relata o professor português Carlos Margaça Veiga, membro do Conselho da Academia Portuguesa de História e autor de vários livros, entre eles ‘A Herança Filipina em Portugal’.

Uma vez Filipe II vencendo o Prior do Crato na Batalha de Alcântara em 25 de Agosto de 1580 com as tropas espanholas sendo comandadas pelo duque de Alba exilou o mesmo, que faleceu em 1595, e realizou a União Ibérica. “Agregar é juntar, a coroa de Portugal foi unida com a coroa de Castela, não com a Espanha… deve-se ter cuidado de falar de governação ou dinastia filipina, porque é o correto”, declara o professor. Porém, não se pode esquecer que esta união ibérica deu-se por meio de uma componente militar, uma invasão, “e essa parte dói nos portugueses, porque havíamos sido humilhados em Alcácer-Quibir, com a morte do rei, e voltamos a ser humilhados pela invasão da Espanha pelo duque de Alba” aponta o historiador. Sobre Filipe II, o professor diz: “Ele era muito inteligente e não queria ferir os portugueses, era um grande político e entendia que o vencedor não deveria humilhar excessivamente os vencidos”. Por isso durante muitos anos não permitiu que se publicasse em português o relato das vitórias espanholas sobre os portugueses.
Apesar de tudo, durante muito tempo, a figura e o papel de Felipe II foi rechaçado pelos portugueses, “porque existiu uma mentalidade nacionalista que foi muito forte e também teve a influência do expansionismo espanhol que corria por toda Europa e que teve os seus efeitos em Portugal. Porém a partir de 1940, quando se celebrou os trezentos anos da Restauração da Independência começou a aparecer uma historiografia menos intoxicada destas ideais, que se baseiam em documentos”, fala o historiador português que ressalta que a figura de Filipe II deve ser distinguida da figura de seus sucessores, que não tinham o seu carisma e sensibilidade, e que ademais aqueles tempos foram os dos validos. Filipe II ademais ordenou que toda documentação relativa a Portugal fosse feita em língua portuguesa, mesmo que se emitisse em Castela.
Filipe II teve sempre a preocupação de manter a identidade portuguesa. “Nenhum rei do século XVI levou tão a sério os ideais de liberdade concedidas a um reino conquistado como Filipe II o fez”, afirma Carlos Veiga. Veiga ainda afirma que Filipe II foi bastante generoso, porque os portugueses tiveram acesso ao comércio espanhol das Américas ao qual Aragão não tinha.

Filipe II também conseguiu manter a harmonia e sua aceitação a nível nacional no país por meio das cortes. “Sentiu-se português, foi um rei inteligente com larga experiência governativa desde 1556” diz Veiga, Filipe II atendeu a aristocracia, mas preocupou-se com todos. Por exemplo, “teve a habilidade de atender os procuradores que o defenderam nas cortes e pela primeira vez baixou os custos das ajudas de viagem, que comumente eram feitas pelos conselhos regionais”.
Em Portugal passou a estar rodeado de portugueses. Comia ao modo português, vestia-se como os portugueses e era servido por portugueses, ainda que os espanhóis temessem algum atentado contra a sua vida, o mesmo nunca se produziu. Foram muitos os que pediram que regressasse a Portugal quando se instalou no Escorial, junto com as meninas de seus olhos, seus quadros e as suas colecções. Inclusive o cardeal Granvelle lhe deu a sugestão que a corte fosse transferida para Lisboa e que a cidade se convertesse na metrópole do Império Espanhol.
Filipe II também ordenou que os restos mortais de D. Sebastião fossem retirados do norte da África e levados até Portugal e os restos mortais de Dom Henrique com o seu sobrinho foram velados em grande cerimónias. O monarca também ergueu vários monumentos e fez inúmeras restaurações.

Muitos são os bons aspectos que a governação de Filipe II legou à nação vizinha. “Filipe II foi um bom governante, especialmente na justiça, a sua principal obrigação, criando inclusive O Supremo Tribunal no Porto”, explica o professor de história. Também foi muito detalhista nos temas fiscais, “criando o conselho da Fazenda e concentrou uma serie de organismos de modernização que duraram até o advento do liberalismo na Europa”. Preocupou-se igualmente com a legislação, “revisou as ordenanças manuelinas e criou as ordenanças Filipinas que perduraram até o final do século XIX”. Outro ponto importante foi a defesa do império ultramarino, por uma questão de prestígio, criando as fortalezas de Setúbal, Açores e Cabo Verde.
Como curiosidade cabe recordar que Filipe II recolheu madeira da embarcação portuguesa Cinco Chagas, que estava em ruínas para construir um crucifico e seu próprio caixão, tamanho era o amor que tinha por aquele país.