Os primeiros anos do século XIX foram um autêntico terror para vários países europeus. O ambicioso e destemido Napoleão Bonaparte planeava invadir a Inglaterra e para tal pretendia impedir que os restantes países da Europa fizessem trocas comerciais com aquele país. Em busca da glória, ele e as suas tropas invadiram, quase sempre com êxito, vários países, cometendo as maiores atrocidades contra as populações locais. Portugal também não escapou, mas com uma diferença… o rei fugiu! Napoleão Bonaparte fizera o ultimato a Portugal: ou D. João VI apoiava a Inglaterra contra os interesses franceses, ou então ajudava a França, declarando-se inimigo dos ingleses.

A situação era muito delicada. Fosse qual fosse a decisão portuguesa, Portugal entrava, contra a sua vontade, num conflito militar. Numa operação que teve o apoio inglês, o monarca português deu a entender aos gauleses que estava tudo bem encaminhado para os apoiar. Mas as constantes hesitações fizeram desconfiar Napoleão. Porém, ao chegar a Portugal, tomou conhecimento de que D. João VI e a sua família tinham fugido para o Brasil!
Diz-se que quando da fuga da família real para o Brasil, em 27 de Novembro de 1807, D. Maria I teria dito que “não conduzam tão depressa! As pessoas vão julgar que estamos a fugir”.
O povo português só se apercebeu da partida da família real quando viu os barcos a uma distância já considerável da terra. A despedida não foi pacífica: revoltadas, as pessoas lançaram pedras tentando acertar nas naus. Atraiçoada, a população portuguesa, estava agora sem Rei, entregue às tropas inglesas que se encontravam no território para ajudar na guerra e, por todo o lado, as tropas francesas pilhavam culturas, dizimavam casas e violavam mulheres.

Nos seus últimos anos de vida, passados em exílio na ilha de Santa Helena (após a derrota na batalha de Waterloo frente ao Duque de Wellington) Napoleão escreveu as suas memórias. Nunca esqueceu D. João VI: “Foi o único me enganou”.
De acordo com os historiadores, D. João VI ter-se-á precipitado ao abandonar o país. Se tivesse permanecido em Portugal, apesar dos fracos recursos militares e económicos que o país dispunha na época, os franceses teriam perdido facilmente e muitos dos acontecimentos poderiam ter sido evitados.

As invasões foram 3 (sob o comando dos generais Massena, Junot e Soult) e apenas terminaram em 1811. Com o forte apoio das forças inglesas comandadas por Duque de Wellington (grande rival de Napoleão e que aliás derrotaria o francês na batalha de Waterloo e faria dele seu prisioneiro), Portugal ver-se-ia livre dos gauleses.
O perfil de D. João VI
João VI de Portugal, cognominado O Clemente, foi rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves de 1816 a 1822, de facto, e desde 1822 até 1825, de jure. Desde 1825 foi rei de Portugal até sua morte, em 1826. Pelo Tratado do Rio de Janeiro de 1825, que reconhecia a independência do Brasil do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, também foi o imperador titular do Brasil, embora tenha sido seu filho Pedro o imperador do Brasil de facto.
Não obstante as atribulações, deixou uma marca duradoura especialmente no Brasil, criando inúmeras instituições e serviços que sedimentaram a autonomia nacional, sendo considerado por muitos pesquisadores o verdadeiro mentor do moderno Estado brasileiro. Apesar disso, é até hoje um dos personagens mais caricatos da história luso-brasileira, sendo acusado de indolência, falta de tino político e constante indecisão, sem falar em sua pessoa, retratada amiúde como grotesca, o que, segundo a historiografia mais recente, na maior parte dos casos é uma imagem injusta.
Uma das mais famosas relata que D. João VI tinha um apetite voraz por frango, de tal forma que comia 2 ou 3 ao almoço e ainda guardava algumas coxas nos bolsos que levava para os seus passeios, onde as comia com as mãos e com poucas noções de higiene. Conta-se, em jeito de anedota, que o Rei só terá chorado 2 vezes na sua vida: quando morreu a sua mãe e quando morreu o seu cozinheiro.
Massena e Wellington tornam-se bons amigos
Após o turbilhão político que se seguira às guerras napoleónicas, o Congresso de Viena deveria reunir-se com vista ao planeamento do futuro da Europa e Wellington teria também um papel a desempenhar. Em Paris encontrou um velho adversário:
“Mais tarde em Paris, vim a conhecer Massena bastante bem; encontrámo-nos pela primeira vez num jantar em casa do marechal Soult, que era então ministro da Guerra […] Massena mostrou-se muito excitado quando me viu, fez um grande alarido e saudou-me com muita cordialidade. “Ah, Monsier le Maréchal, que vousavez fait paser des mauvais moments!” E afiançou-me que eu não lhe deixara um único cabelo negro no corpo; tinha ficado grisalho, declarou, em toda a parte: Respondi-lhe que tínhamos ficado mais ou menos quites – que tinha havido um empate entre os dois. “Não”, replicou ele”!, “o senhor esteve muito perto de me derrotar em duas ou três ocasiões!” – o que é verdade.”
É curioso que os dois antigos adversários se tenham dado tão bem, tanto mais que muitos dos marechais de Napoleão evitavam Wellington, ainda ressentidos pela s derrotas que tinham sentido às suas mãos. talvez o facto testemunhe a dedicação dos dois homens ao seu ofício, bem como um respeito profissional mútuo, ao passo que a maioria dos outros marechais viam a carreira militar meramente como um meio para alcançarem determinados fins.
Massena não tinha vaidade que caracterizava muitos dos seus pares, mostrando-se encantado por conhecer um homem, cujos talentos tinham superado os seus e ao qual não parecia guardar qualquer rancor. Regra geral muito parco em elogios, Wellington tinha um enorme respeito por Massena, e não deixou de o louvar durante a conversa que tiveram sobre as Linhas de Torres Vedras. Massena disse-lhe: “Caro Lorde, está a dever-me um jantar – pois quase me matou à fome.” Wellington riu: “Devia ser o senhor a dar-mo, marechal, pois impediu-me de dormir”.
Esta foi a primeira de diversas conversas nos quais discutiram as estratégias um do outro e trocaram reminiscências sobre os tempos em que tinham sido adversários. Criticado, talvez injustamente, pela sua sobranceria para com os soldados e as “ordens inferiores”, eis ali o duque de Wellington debatendo prazenteiramente conceitos estratégicos com um antigo sargento que tinha subido a pulso na hierarquia militar. A similitude das suas experiências parecia ter derrubado as barreiras sociais e nacionais que os separavam. Quem os viu conversar julgaria talvez que eram velhos camaradas de armas e não antigos inimigos”.