Num Alentejo onde o traço arquitetónico costuma ser discreto e previsível, há um templo que desafia convenções e alimenta o imaginário local.
A Capela do Calvário, em Ferreira do Alentejo, distingue-se não apenas pela sua singularidade formal, mas também pelo enigma que transporta há séculos — um mistério que permanece por resolver.
Também conhecida por Capela de Santa Maria Madalena ou, popularmente, como “Igreja das Pedras”, esta construção do século XVIII destaca-se à primeira vista.
As paredes brancas, encimadas por uma cúpula elegante, estão salpicadas por centenas de pedras embutidas, num padrão irregular que se intensifica à medida que se sobe até ao lanternim de ferro que coroa o edifício. O resultado é desconcertante — e profundamente simbólico.
Ao contrário de outros elementos arquitetónicos religiosos da região, a Capela do Calvário parece fazer perguntas mais do que oferecer respostas. A origem e o significado destas pedras continuam envoltos em várias interpretações, algumas populares, outras mais eruditas.
Uma das versões mais repetidas liga o motivo ao apedrejamento de Cristo a caminho do Calvário — uma leitura sem apoio bíblico, mas que ecoa o sofrimento da Paixão. Outra aponta para Santa Maria Madalena, padroeira da capela, e o episódio do apedrejamento interrompido por Jesus, tal como descrito no Evangelho de João.
A estas interpretações junta-se a proposta do historiador José Hermano Saraiva, que viu nas pedras uma possível representação simbólica dos espinhos da coroa de Cristo. Notou ainda que algumas das pedras seguem, na base da capela, um alinhamento que sugere o número cinco — uma alusão possível às cinco chagas de Jesus.
Mais recentemente, surgiram interpretações que associam a estrutura a uma representação metafórica do Monte Calvário. Neste cenário, as pedras seriam uma evocação da colina sagrada onde Cristo foi crucificado, e a cruz de ferro no topo da cúpula, o seu ponto culminante.
Independentemente da explicação, a capela tornou-se o símbolo mais reconhecido de Ferreira do Alentejo. Não está, no entanto, sozinha. A poucos quilómetros, em Beringel, encontra-se a Capela das Pedras Negras — também dedicada a Santa Maria Madalena, e com uma decoração semelhante.
O historiador Túlio Espanca sugeriu que ambas possam ter sido inspiradas numa ermida já desaparecida, outrora localizada em Beja.
Apesar do seu valor patrimonial e simbólico, a Capela do Calvário continua a ser pouco conhecida fora do contexto regional. Ainda assim, atrai curiosos, investigadores e visitantes atentos, interessados em fenómenos que escapam às narrativas religiosas convencionais.
Ferreira do Alentejo, porém, tem mais para mostrar. O centro histórico preserva igrejas de traço imponente, como a Igreja da Senhora da Conceição ou a Matriz, e o Museu Municipal oferece uma leitura mais estruturada da história local.
Já para quem procura o lado agrícola do Alentejo contemporâneo, o Lagar do Marmelo e a Herdade do Vale da Rosa proporcionam visitas guiadas que mostram como tradição e inovação podem coexistir — do azeite às uvas sem grainha.
A gastronomia segue a mesma lógica. O porco preto é rei, acompanhado por migas, ensopados e outros clássicos da cozinha regional. Na doçaria, o bolo Fidalgo assume o protagonismo, entre outras tentações conventuais.
E para os que procuram natureza e sossego, há ainda a Lagoa dos Patos e a pequena povoação de Peroguarda, que resiste com dignidade à erosão do tempo e do esquecimento — um retrato fiel do Alentejo profundo.
A Capela do Calvário, com as suas pedras enigmáticas e a sua aura de silêncio, é mais do que um lugar de culto.
É um convite à interrogação. Um espaço onde fé, história e mistério se entrelaçam — e onde o Alentejo revela, uma vez mais, que há sempre mais do que aquilo que se vê.










