Na margem esquerda do Sado, em frente a Setúbal, encontram-se as Ruínas Romanas de Troia, um dos sítios arqueológicos mais impressionantes de Portugal.
Entre os séculos I e VI d.C., este complexo foi um dos maiores centros de produção de conservas de peixe de todo o Império Romano — um verdadeiro polo industrial do mundo antigo.
O coração da indústria do garum
A povoação de Troia estava integrada na cidade romana de Salácia (atual Alcácer do Sal) e viveu sobretudo da pesca e da transformação do peixe.
Aqui produzia-se o famoso garum, um molho feito a partir da fermentação de vísceras de peixe com sal e especiarias, considerado uma iguaria de luxo em Roma.
Estima-se que tenham existido em Troia cerca de 200 oficinas de salga, espalhadas por uma área de 20 hectares.
O volume anual de produção poderia atingir 15 mil toneladas, exportadas para todo o império através do porto fluvial que ligava a povoação às grandes rotas comerciais.
Oficinas, ânforas e comércio
As oficinas eram construções simples, com tanques revestidos a argamassa — as cetárias — onde o peixe era colocado a fermentar durante cerca de dois meses.
O produto final era guardado em ânforas de cerâmica, geralmente do tipo Dressel 7-11 ou Lusitana 1-2, com capacidade de 40 litros. Muitas estavam marcadas com o nome do produtor e o destino da mercadoria, funcionando como rótulos que garantiam a qualidade.
Muito mais do que fábricas
O complexo de Troia não se limitava à indústria. As escavações revelaram:
- Casas de pescadores e comerciantes, algumas com mosaicos e pinturas.
- Termas públicas, espaços de convívio e higiene.
- Necrópoles e um columbário com cerca de 200 nichos para cinzas.
- Uma basílica paleocristã do século V, que sucedeu a um templo pagão.
Estes vestígios mostram como a comunidade integrava não só trabalhadores e comerciantes, mas também famílias e vida religiosa organizada.
Curiosidades arqueológicas
Troia guarda ainda achados singulares:
- Uma roda hidráulica horizontal que abastecia as oficinas e as termas, rara no mundo romano.
- Escavações promovidas pela futura rainha D. Maria I, no século XVIII, razão pela qual algumas casas ficaram conhecidas como “Casas da Princesa”.
- Em 1979, foi encontrada uma estátua colossal de mármore, com três metros de altura, representando provavelmente o imperador Augusto.
De ilha a património
Na época romana, a península de Troia poderá ter sido uma ilha, identificada por alguns autores como parte das lendárias Hespérides.
Classificadas como Monumento Nacional desde 1910, as ruínas integram hoje a lista indicativa da UNESCO e continuam a revelar novos segredos sobre a vida quotidiana e económica do Império.










