A expansão marítima portuguesa produziu heróis, exploradores e visionários. Mas também gerou figuras ambíguas, lembradas tanto pela ousadia como pela crueldade.
Entre estas destaca-se Filipe de Brito e Nicote, um aventureiro nascido em Lisboa, filho de mãe portuguesa e pai francês, que no início do século XVII se autoproclamou rei na Birmânia. A sua história é uma mistura de ambição, violência e traição, digna de uma crónica épica.
Dos negócios à guerra
Filipe de Brito partiu jovem para a Índia em busca de fortuna. Tentou a sorte no comércio de carvão e sal, mas só ganhou notoriedade ao colocar as suas capacidades militares ao serviço do rei de Arakan, um dos pequenos reinos da região.
Foi recompensado com o controlo de Sirião, um porto estratégico no delta do Irrawady, onde rapidamente consolidou a sua posição.
Ambicioso, ergueu uma fortaleza, criou uma alfândega e sonhou com um domínio próprio. O rei Filipe II de Portugal reconheceu-lhe o valor e concedeu-lhe a Ordem de Cristo e o estatuto de fidalgo. Assim, o aventureiro luso transformou-se em soberano de facto do Pegu, governando entre 1602 e 1613.
O tirano do Sirião
O poder de Filipe de Brito foi consolidado pela força. Resistiu a ataques sucessivos — primeiro seis mil homens enviados pelo rei de Arakan, depois quarenta mil — sempre com vitórias inesperadas. Contudo, a sua governação foi marcada pelo despotismo.
Ordenou saques a pagodes, impôs conversões religiosas forçadas, promoveu assassinatos e espalhou o terror entre a população local.
As crónicas falam também de episódios de arrogância e crueldade. Terá organizado banquetes em plena escassez, exibindo abundância diante de soldados famintos, ou libertado prisioneiros apenas para difundir mensagens de intimidação.
Atitudes que, somadas a alianças quebradas e traições, deixaram-no sem aliados e com muitos inimigos.
Queda e morte brutal
Em 1613, o destino de Filipe de Brito chegou ao fim. O rei de Ava, apoiado por líderes vizinhos e até por homens que haviam servido o português, derrotou-o militarmente. Capturado, foi condenado a uma morte cruel: empalado vivo, agonizou durante três dias.
A sua mulher, D. Luísa, foi reduzida à escravidão. O ódio contra a sua linhagem era tão intenso que até descendentes próximos foram executados.
Ainda assim, muitos filhos ilegítimos sobreviveram, perpetuando o nome Brito em Myanmar, embora sem o poder e o domínio que o aventureiro tentara construir.
Um aventureiro entre a lenda e o horror
A história de Filipe de Brito é um exemplo de como a expansão portuguesa não foi apenas feita de descobertas e glórias. É também o retrato de um homem que, movido pela ambição, deixou atrás de si tanto façanhas militares notáveis como um legado de violência e destruição.
Herói para uns, vilão para outros, permanece como uma das figuras mais controversas da presença portuguesa no Oriente.











Fico a pensar para quem uma pessoa assim poderia ser considerado herói…