Ao longo da história, a língua portuguesa foi moldada por muitas influências. Mas poucas foram tão duradouras como a do árabe, que se entranhou no vocabulário, na cultura e até nos nomes de lugares que ainda hoje usamos.
Durante quase oito séculos, entre o século VIII e o século XV, os muçulmanos do norte de África — os mouros — ocuparam grande parte da Península Ibérica. Esta presença prolongada deixou marcas profundas, visíveis não só na arquitetura e na toponímia, mas também na forma como falamos.
Quando o árabe se misturou ao latim vulgar
A chegada dos mouros em 711 trouxe consigo uma nova língua, que rapidamente começou a misturar-se com o latim vulgar falado pelas populações locais.
O árabe tornou-se, durante esse período, a língua da administração, da ciência, do comércio e da cultura. Mesmo depois da chamada Reconquista Cristã, muitas das palavras árabes mantiveram-se no uso comum.
Hoje, calcula-se que mais de mil palavras do português tenham origem árabe. Muitas começam com “al-”, que em árabe significa “o” e foi absorvido diretamente em diversos termos. Alguns exemplos familiares:
- Almofada (de al-mikhaddah)
- Aldeia (de al-daya)
- Alface (de al-khass)
- Amêndoa (de al-maḍmunah)
- Azeite (de az-zayt, óleo)
Termos da ciência, da matemática e da navegação
A influência árabe não se ficou apenas pela vida quotidiana. Palavras associadas à ciência e à matemática também chegaram através deste contacto, como algarismo — que remete para al-Khwarizmi, nome de um célebre matemático persa.
A herança árabe foi ainda determinante para o desenvolvimento de áreas como a astronomia e a navegação, pilares da futura expansão marítima portuguesa.
Uma presença nos nomes das nossas terras
A toponímia portuguesa também guarda essa memória. Nomes como Albufeira, Almada, Alcácer do Sal ou Algarve (de al-Gharb, “o oeste”) são heranças árabes que resistiram ao tempo. São testemunhos linguísticos de uma convivência longa e complexa, com ecos que ainda hoje se ouvem.
Azulejos e arcos que falam árabe
Para além das palavras, a influência árabe está presente na arte e na arquitetura. Os azulejos, os pátios interiores, os arcos em ferradura e os motivos geométricos que vemos em edifícios históricos portugueses são heranças diretas do gosto estético islâmico.
A tradição de decoração com padrões simétricos e cores vivas foi absorvida e adaptada ao estilo português ao longo dos séculos.
Uma influência discreta mas permanente
Mesmo expressões, interjeições e modos de dizer que usamos sem pensar podem ter raízes árabes. Apesar de o árabe ter deixado de ser falado em Portugal há muitos séculos, a sua presença continua a marcar a língua — e, com ela, a nossa identidade cultural.
Sempre que dizemos “almofada” ou temperamos a comida com “azeite”, estamos a dar voz a séculos de história.
São palavras com memória, vestígios de uma época de contacto entre civilizações, que continua a ressoar no modo como nos expressamos.










