Lisboa é a capital de Portugal há mais de sete séculos, mas nunca o foi por lei. A ideia parece estranha, sobretudo quando se pensa no papel que a cidade desempenha – política, económica e culturalmente – no país.
No entanto, a verdade é que não existe qualquer decreto, constituição ou documento oficial que declare Lisboa como capital de Portugal.
A história leva-nos até ao século XIII, quando D. Afonso III decidiu transferir a corte de Coimbra para Lisboa, em 1255. A cidade, com o seu porto estratégico no Tejo e crescente importância comercial, impunha-se naturalmente como novo centro de poder.
A mudança aconteceu sem pompa legislativa nem formalização escrita. Foi um gesto prático – e assim ficou.
Coimbra, capital de direito (e de memória)
Antes de Lisboa, Coimbra foi, essa sim, oficialmente nomeada capital. D. Afonso Henriques escolheu-a como sede do reino após a sua aclamação como rei em 1139.
Era uma cidade central, antiga, com peso religioso e cultural, já reconquistada aos mouros em 1064. Foi em Coimbra que D. Afonso Henriques redigiu o seu testamento e mandou sepultar os primeiros reis de Portugal, no Mosteiro de Santa Cruz.
Durante mais de um século, Coimbra foi o coração do jovem reino português. Foi capital durante os reinados dos cinco primeiros monarcas da dinastia afonsina, tendo um peso simbólico e histórico que resistiu ao passar do tempo — mesmo depois de a corte ter seguido para sul.
Por que nunca se formalizou Lisboa?
Várias explicações ajudam a entender por que motivo Lisboa, apesar de capital de facto, nunca o foi de direito.
Em primeiro lugar, talvez não se sentisse necessidade de confirmar o óbvio: Lisboa era a cidade dominante, onde se concentrava o poder. Não havia resistência, nem alternativa.
Depois, é preciso lembrar que, durante séculos, Portugal foi uma monarquia absolutista. A capital era, na prática, onde estivesse o rei e a sua corte.
Só com a Revolução Liberal de 1820 é que surgiram constituições e parlamentos – e nessa altura Lisboa já concentrava o poder há 500 anos.
Por fim, pode ter havido um certo respeito pela memória histórica. Coimbra tinha sido a primeira capital oficial e talvez nenhum rei quisesse apagar esse facto simbólico. Era ali que repousavam os primeiros monarcas, era ali que nascera a Universidade.
Capitais provisórias: do Rio de Janeiro aos Açores
Ao longo da história, Portugal teve ainda capitais temporárias. A mais conhecida foi o Rio de Janeiro, que entre 1808 e 1821 acolheu a corte portuguesa, fugida das invasões napoleónicas. Durante esses anos, o centro do império português passou a estar do outro lado do Atlântico.
Angra do Heroísmo, nos Açores, também assumiu o papel em momentos de crise. Em 1580, durante a crise de sucessão, D. António, Prior do Crato, estabeleceu ali o seu governo. E em 1830, foi refúgio liberal contra o absolutismo de D. Miguel, tornando-se sede do governo de D. Maria II.
Lisboa hoje: capital na prática e na consciência
Apesar das ausências formais, Lisboa é, sem dúvida, a capital portuguesa. Sede do Presidente da República, do Governo, do Parlamento e dos principais órgãos de soberania, é também o centro económico e cultural do país.
Mas Coimbra não perdeu o seu lugar na história. Continua a ser uma cidade de referência, com forte identidade, profundamente ligada à origem do reino e à formação do espírito português.
Afinal, se Lisboa é a capital presente, Coimbra é, talvez, a capital da memória.










