Antes da Expo 98 transformar a zona oriental de Lisboa num moderno bairro à beira-rio, ali funcionou um dos espaços mais improváveis da aviação europeia: o Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo.
Entre as décadas de 30 e 50 do século XX, hidroaviões vindos dos Estados Unidos desciam sobre o Tejo, entre barcos de pesca e navios mercantes, e atracavam num terminal fluvial que hoje resiste apenas na forma da Doca dos Olivais, junto ao Oceanário.
Foi a partir da década de 1930 que o governo português decidiu substituir o Campo Internacional de Aterragem de Alverca, então demasiado afastado do centro, por dois novos aeroportos: um terrestre, na Portela, e outro fluvial, em Cabo Ruivo.
Este último servia os voos transatlânticos operados por hidroaviões e foi impulsionado sobretudo pela Pan American Airways, que aí estabeleceu uma base em 1938.
O primeiro voo comercial entre Nova Iorque e Lisboa chegou a 29 de junho de 1939, a bordo de um Boeing 314 “Dixie Clipper”. Foram 22 passageiros e 11 tripulantes a cruzar o Atlântico numa viagem que durava mais de 24 horas, com escala nos Açores.
À chegada, foram recebidos com pompa no Hotel Aviz. Lisboa assumia-se, então, como ponto estratégico nas ligações aéreas entre continentes — uma importância reforçada com o início da Segunda Guerra Mundial.
Durante o conflito, a neutralidade portuguesa fez de Lisboa uma das principais portas de fuga da Europa continental. Políticos, artistas, diplomatas e espiões cruzavam-se nas salas de espera dos dois aeroportos, separados por cerca de três quilómetros.
A ligação entre ambos era feita pela então chamada Avenida Entre Aeroportos, hoje Avenida de Berlim. Voava-se do novo mundo para Lisboa em hidroavião, e dali para o resto da Europa em aviões tradicionais que descolavam da Portela.
O aeroporto fluvial de Cabo Ruivo viria a ser oficialmente concluído em 1943, um ano depois do terrestre. Foram feitas obras de regularização das margens, construídos cais, rampas e edifícios de apoio, e criada a Doca dos Olivais para acolher os aviões que, quando necessário, podiam ser içados para terra firme.
Tornou-se comum ver hidroaviões e embarcações partilharem as águas do Tejo, com regras de navegação próprias.
Mas com o final da guerra e a evolução tecnológica da aviação, os hidroaviões começaram a perder relevância. O Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo foi sendo progressivamente esquecido até ser desativado no final dos anos 50.
Alguns acidentes, como o da queda do hidroavião britânico Sunderland em 1943, acentuaram a sua fragilidade. A explosão em pleno voo matou 13 das 15 pessoas a bordo e marcou o início do declínio.
Hoje, poucos sabem que Lisboa já teve um aeroporto flutuante. As estruturas da antiga Doca dos Olivais são o que resta desse tempo, e cruzá-las é, sem saber, caminhar sobre um pedaço da história da aviação mundial.
Num tempo em que se discute, há décadas, a construção de um novo aeroporto, é curioso lembrar que a capital portuguesa já teve dois – um deles dentro do rio.










