Durante anos, repetiu-se quase como dogma que “saudade” seria uma palavra única, intraduzível, exclusiva da alma portuguesa. Mas será mesmo assim?
Na realidade, quem trabalha com línguas sabe que as palavras raramente vivem isoladas. Traduzem-se ideias, contextos, frases inteiras – não apenas vocábulos soltos.
E, nesse exercício diário de adaptação e interpretação, traduzir “saudade” é não só possível, como um desafio que os tradutores enfrentam com criatividade e precisão.
Tal como “café” pode significar “coffee”, “coffee shop” ou até “café au lait”, dependendo do contexto, também “saudade” assume diferentes formas noutros idiomas. E
m inglês, por exemplo, pode ser vertida como “longing”, “missing you”, “nostalgia” ou até expressões mais complexas, como “I wish you were here” — tudo depende da intenção e da situação.
A tradução, afinal, nunca é literal. Cada palavra carrega conotações afetivas e culturais. Dizer “praia”, para uma pessoa nascida junto ao mar, não evoca as mesmas memórias que para quem sempre viveu no interior. Isso acontece dentro da mesma língua — imagine-se entre idiomas distintos.
Curiosamente, há línguas que se aproximam bastante do nosso conceito de “saudade”. O romeno, por exemplo, tem a palavra “dor”, que descreve um sentimento semelhante de ausência e anseio. Em galego, “saudade” também é usada, muitas vezes acompanhada de “morrinha”.
Os falantes de português no Brasil celebram até o Dia da Saudade, o que reforça a ideia de que esta emoção é partilhada em todo o mundo lusófono.
Se é verdade que “saudade” está enraizada na identidade portuguesa – tanto pela história, como pela literatura e pelo fado -, isso não significa que o sentimento em si seja exclusivo.
Todas as línguas têm as suas palavras “difíceis”, aquelas que exigem mais do que uma simples tradução direta. Mas isso não as torna intraduzíveis — apenas mais ricas.
No fundo, não há livro traduzido que deixe um espaço em branco por falta de tradução da palavra “saudade”.
E há muito tradutor que, todos os dias, a traduz com sucesso, escrevendo frases como “Tenho saudades tuas” em formas diversas, mas compreensíveis, noutras línguas.
Mais do que um mistério linguístico, a “saudade” é uma ponte entre línguas e culturas – não um muro.
E, apesar da aura mística que a rodeia, é um sentimento que todos conhecem, mesmo que o nome mude.










