No coração da Etiópia, escondida entre vales profundos e paisagens deslumbrantes, ergue-se uma ponte de pedra que guarda séculos de história, mistério e intercâmbio cultural.
Conhecida como Sebara Dildiy, que em amárico significa “ponte quebrada”, esta estrutura do século XVII é frequentemente chamada de Ponte Portuguesa — um nome que continua a suscitar debate e curiosidade.
Localizada a nordeste da cidade de Mota, na região de Amhara, a ponte atravessa o poderoso rio Abay, conhecido fora da Etiópia como o Nilo Azul.
Com 60 metros de comprimento e quatro de largura, acredita-se que a ponte terá sido construída durante o reinado do imperador Fasilides, por volta de 1600–1660, num período em que se introduziam novas técnicas de construção graças à influência externa, nomeadamente portuguesa.
Embora a origem portuguesa da ponte não seja consensual — alguns atribuem-na a engenheiros locais, outros a membros da corte de Menelik II, já no século XIX — é certo que a técnica utilizada reflecte métodos que os portugueses ajudaram a divulgar na região, como a utilização de argamassa de cal, introduzida na Etiópia por um artesão vindo da Índia ao serviço dos europeus.
Durante o período Gondarino, em que Gondar se tornou capital imperial e centro de desenvolvimento arquitetónico, várias pontes de pedra foram construídas. Sebara Dildiy é talvez a mais notável entre elas.
Além de ter servido como importante via de ligação para mercadores e peregrinos, foi também cenário de episódios lendários que envolvem culpa, arrependimento e redenção.
Segundo a tradição popular, o imperador Fasilides, após ordenar a execução de um monge que o criticara publicamente, procurou sem sucesso absolvição espiritual. Após uma série de sonhos e revelações, foi aconselhado por uma humilde escrava a construir uma ponte num local perigoso de travessia.
A ideia era que todos os que por ali passassem dissessem: “Deus salve a alma de Fasilides!” — um gesto simples, mas repetido por milhares, que lhe permitiria alcançar o perdão. O imperador acedeu ao pedido e mandou construir a ponte.
Décadas mais tarde, o viajante italiano Alberto Pollera relataria ter ouvido mercadores a repetir essa frase ao atravessar a ponte.
Ao longo dos séculos, a ponte sofreu diversos danos. Durante o século XIX, uma das suas arcadas centrais foi removida por ordem de um senhor da guerra local, como forma de travar uma invasão. Apesar disso, continuou a ser usada, com recurso a cordas e tábuas improvisadas.
Em 1908, o imperador Menelik II ordenou a reconstrução da ponte e mandou erguer um arco monumental na sua extremidade sul. No entanto, em 1941, no contexto da campanha da África Oriental, forças italianas em retirada destruíram a estrutura. A travessia ficou comprometida durante décadas, causando inúmeros acidentes.
Só em 2002 foi feita uma tentativa de restauro funcional, com a instalação de uma ponte metálica provisória. Em 2009, uma nova ponte suspensa para peões foi construída nas imediações, devolvendo a ligação ao tráfego pedonal.
Hoje, visitar Sebara Dildiy é também um mergulho na paisagem da Etiópia profunda. Atravessando a ponte, chega-se a um miradouro natural com vista para uma impressionante cascata de 600 metros — especialmente ativa durante a época das chuvas, entre julho e setembro. Pelo caminho, é frequente avistar babuínos Gelada, uma espécie endémica da Etiópia.
Apesar da beleza e da carga histórica, o local permanece relativamente afastado dos circuitos turísticos mais conhecidos. Uma viagem até Debre Libanos, a cerca de duas horas de Adis Abeba, permite combinar a visita à ponte com a descoberta de um dos mosteiros mais antigos do país, fundado no século XIII.
Para quem procura lugares com alma e histórias por detrás das pedras, a ponte de Sebara Dildiy é um destino a não perder.











Pequenas pérolas de cultura deixadas no tempo e na História imensa do Povo que somos…