A Língua Portuguesa pode ser muito traiçoeira e falar um bom português nem sempre é uma tarefa fácil. Seja em situações de trabalho (como os nossos chefes ou os nossos clientes) ou seja quando falamos com os nossos amigos e familiares, a utilização correcta da Língua Portuguesa é cada vez mais essencial. Além disso, existem muitos erros de português que se cometem durante a linguagem falada mas que depois não têm uma expressão tão grande na linguagem escrita.
É o caso dos pleonasmos, que são muito mais frequentes na linguagem falada. Pleonasmo é uma figura de linguagem usada para intensificar o significado de um termo através da repetição da própria palavra ou da ideia contida nela.
O uso de pleonasmos no dia a dia é muito comum. Por hábito ou por desconhecimento, são transmitidas mensagens redundantes, ou seja, mensagens com repetição desnecessária de ideias. Várias expressões usadas com frequência pelos falantes são consideradas vícios de linguagem. Vale a pena conhecê-las:
1. “Adiar para depois”
Diga apenas: adiar. O verbo adiar indica o ato de marcar um determinado compromisso ou evento para outra hora ou outro dia, ou seja, para um momento posterior. Não é, assim, necessário o uso do advérbio depois.
Errado: Vamos adiar a data da entrega dos trabalhos para depois.
Certo: Vamos adiar a data da entrega dos trabalhos.
2. “Pequenos detalhes”
Diga apenas: detalhes. Não é necessária a junção do adjetivo pequeno à palavra detalhes porque a palavra detalhes já indica um pequeno elemento, como um pormenor, uma particularidade, uma minudência.
Errado: Isto são pequenos detalhes que não interessam para nada.
Certo: Isto são detalhes que não interessam para nada.
3. “Conclusão final”
Diga apenas: conclusão. Conclusão é sinónimo de final, sendo assim redundante a utilização das duas palavras. Conclusão indica término, fim, finalização.
Errado: A conclusão final do trabalho estava bem estruturada.
Certo: A conclusão do trabalho estava bem estruturada.
4. “Encarar de frente”
Diga apenas: encarar. O verbo encarar, sozinho, indica o ato de olhar de frente, sendo sinónimo de enfrentar. Assim, não há a necessidade do uso da palavra frente.
Errado: Vou encarar esse problema de frente e vou resolver tudo rapidamente.
Certo: Vou encarar esse problema e vou resolver tudo rapidamente.
5. “Consenso geral”
Diga apenas: consenso. O substantivo consenso é usado para indicar que há unanimidade de ideias e opiniões. Não se deve, então, usar o adjectivo geral por ser desnecessário.
Errado: Para que a medida avance, é necessário que haja consenso geral.
Certo: Para que a medida avance, é necessário que haja consenso.
6. “Repetir de novo”
Diga apenas: repetir. O verbo repetir indica já o ato de voltar a fazer alguma coisa. Logo, as expressões repetir de novo e repetir outra vez são redundantes.
Errado: Foi tão divertido! Temos de repetir de novo!
Certo: Foi tão divertido! Temos de repetir!
7. “Certeza absoluta”
Diga apenas: certeza. Embora muito usada com intuito enfático, essa expressão é redundante, uma vez que o substantivo certeza já significa convicção e segurança plena e total, indicando indubitabilidade.
Errado: Você tem a certeza absoluta de que isso aconteceu assim?
Certo: Você tem a certeza de que isso aconteceu assim?
8. “Há muitos anos atrás”
Diga apenas: há muitos anos. O verbo haver, conjugado como verbo impessoal, na 3.ª pessoa do singular, indica tempo decorrido. Não é, assim, necessário o uso do advérbio atrás para indicar passado.
Errado: Isso aconteceu há muitos anos atrás.
Certo: Isso aconteceu há muitos anos.
As dicas são excelentes.
Todas as dúvidas relatadas são do nosso cotidiano.
Sem exceção.
O repetir de novo é aceito quando se referir a outra vez, além de uma primeira repetição:
Eu já repeti uma vez, terei que repetir de novo?
Repetir é dizer, fazer… outra vez. Não interessa quantas vezes. “Repetir de novo” é e sempre será pleonasmo.
Há vários termos nessa matéria que me deixam extremamente incomodada. Como “falar um bom português nem sempre é uma tarefa fácil”, “utilização correta da língua portuguesa” e “repetição desnecessária de ideias”. O objetivo da gramática tradicional nunca foi fazer com que pessoas “falassem corretamente”, mas que pessoas escrevam da forma mais universal possível (considerando que variações linguísticas não são sempre universais) em situações como redações oficiais, redações de concurso e redações de vestibulares. É óbvio que em ambientes formais, a própria empresa ou o próprio órgão exige que a fala seja um pouco mais formal, mas convenhamos que esses tipos de situação são menos de 10% da vida dos cidadãos. Ao invés de tratar a língua como extremamente difícil (o que é um mito), por que não aceitar que a variação linguística existe e que sair por aí corrigindo a fala alheia é algo desnecessário e inconveniente? “Falar um bom português” nada mais é do que ser fluente em uma língua dentro de qualquer tipo de regionalismo, e não necessariamente saber todas as regras e excessões de uma gramática tradicional que, por sinal, está desatualizada por conter regras como as de colocação pronominal, que hoje já não passam de mera ficção científica. Talvez um estudo mais abrangente de sociolinguística, história da língua portuguesa e de análise da língua contemporânea nos âmbitos fonéticos, sintáticos e morfológicos olhando mudanças que se fizeram necessárias de 60 anos pra cá façam um pouco mais de diferença, evitando que publicações com preconceito linguístico encoraje pessoas a sair por aí corrigindo a fala alheia ou a sair por aí falando uma variação que não é a sua natural por achar que sabe mais do que os outros ao seguirem regras gramaticais. Se o objetivo é ensinar pessoas a escrever melhor textos oficiais, então aconselho que haja a ênfase para tal, deixando a língua falada, predominante coloquial, de lado.
Laís Ribeiro – pesquisadora na área de Linguística