Na freguesia de Coina, no Barreiro, há um edifício que chama a atenção de quem passa pela estrada nacional nº 10. Trata-se de uma torre com ar de castelo, que se ergue sobre um terreno baldio, rodeada de sobreiros. O seu aspeto é degradado e sinistro, e contrasta com a paisagem envolvente. Este é o Palácio do Rei do Lixo, também conhecido como a Torre de Coina ou o Palácio da Bruxa.
Mas quem foi o rei do lixo e por que motivo construiu este palácio? Qual é a história por trás deste edifício abandonado e que lendas se criaram à sua volta? Neste artigo, vamos contar-lhe a incrível história do Palácio do Rei do Lixo, desde a sua origem até ao seu estado atual.
O homem que mandou construir o Palácio do Rei do Lixo chamava-se Manuel Martins Gomes Júnior. Ele nasceu em 1860, em Santo António da Charneca, no Barreiro, numa família humilde. Desde cedo, ele mostrou ter ambição e vontade de enriquecer. Começou por trabalhar como marçano em Lisboa, onde poupou todo o dinheiro que podia. Com esse dinheiro, comprou um moinho de água na sua terra natal, que mais tarde foi destruído por um incêndio.

Mas o seu grande negócio foi a recolha e venda de lixo de Lisboa. Manuel Júnior conseguiu obter o exclusivo para recolher todos os detritos da capital, que transportava em fragatas pelo rio Tejo até ao Barreiro. Lá, separava o lixo e vendia-o para diferentes fins: os restos orgânicos serviam para adubar os campos, os metais eram fundidos e transformados em objetos, os tecidos eram reciclados e os ossos eram usados para fazer botões ou cola.
Com este negócio, Manuel Júnior fez fortuna e ficou conhecido como o rei do lixo. Era um homem ateu e provocador, que gostava de chocar a sociedade conservadora e católica da época. Por isso, deu aos seus barcos nomes como Mafarrico, Mefistófeles, Demo, Diabo, Satanás, Belzebu, Horrífico, Caronte, Plutão ou Averno. E à sua propriedade rural no Barreiro, ele chamou-lhe Quinta do Inferno.
O palácio do rei do lixo
Em 1910, Manuel Júnior decidiu mandar construir um palácio na sua quinta. Diz-se que ele queria ter uma vista privilegiada sobre a propriedade que possuía em Alcácer do Sal, ou que queria rivalizar com os palácios da aristocracia portuguesa. O certo é que ele encomendou um projeto arquitetónico grandioso e imponente, inspirado nos castelos medievais.

O palácio tinha quatro pisos e uma torre central com 40 metros de altura. No interior, havia salas amplas e luxuosas, com lareiras de mármore e tetos pintados. No exterior, havia jardins ornamentais e uma capela dedicada a São Vicente. O palácio era visível de longe e impressionava quem o via.
No entanto, Manuel Júnior nunca chegou a habitar o seu palácio. As obras foram interrompidas em 1913 ou 1914, deixando o edifício incompleto. Não se sabe ao certo qual foi o motivo da paragem das obras: talvez tenha sido por falta de dinheiro, por problemas políticos ou por desinteresse do proprietário. O facto é que Manuel Júnior morreu em 1924, sem ver o seu palácio terminado.
O destino do palácio do rei do lixo
Depois da morte de Manuel Júnior, o palácio e a quinta passaram por vários donos e usos. O genro do rei do lixo, António Zanolete Ramada Curto, transformou a propriedade numa importante casa agrícola, que produzia frutas, legumes e vinho. Em 1957, a quinta foi vendida a dois industriais de curtumes, Joaquim Baptista Mota e António Baptista, que criaram a Sociedade Agrícola da Quinta de São Vicente e continuaram a explorar a atividade pomícola.
No entanto, a partir da década de 70, o palácio e a quinta entraram em declínio e abandono. O edifício foi saqueado, vandalizado e ocupado por sem-abrigo. Os jardins foram invadidos por vegetação selvagem e lixo. O palácio tornou-se num lugar perigoso e assustador, que alimentou lendas urbanas e histórias de terror.
Diz-se que o palácio era assombrado pelo espírito do rei do lixo ou por uma bruxa que ali praticava rituais satânicos. Diz-se também que havia túneis secretos que ligavam o palácio ao rio ou a outros edifícios.
Atualmente, o palácio e a quinta estão à venda. No entanto, não há nenhum comprador interessado em recuperar este património histórico e arquitetónico. O palácio continua a ser um testemunho silencioso da incrível história do rei do lixo.