A União Europeia está a caminhar para uma mudança estruturante na forma como cidadãos e residentes legais provam a sua identidade.
A futura Identidade Digital Europeia, em desenvolvimento desde 2023, pretende reduzir a dependência de cartões físicos — como o Cartão de Cidadão — e criar um sistema comum, seguro e utilizável em qualquer Estado-Membro. Portugal é um dos países que está a participar ativamente na construção destas soluções.
Uma carteira digital para substituir vários documentos
A nova identidade digital assentará numa carteira eletrónica (EUDI Wallet), acessível através do telemóvel ou de outros dispositivos. A ideia é simples: permitir que cada cidadão possa comprovar quem é de forma segura, tanto online como presencialmente, sempre que necessitar.
Além de servir para confirmar identidade em websites ou serviços públicos, a carteira poderá guardar elementos essenciais, como nome, data de nascimento, nacionalidade e até documentos emitidos por entidades públicas ou privadas. Também deverá permitir demonstrar residência, vínculos laborais ou direitos de acesso a serviços em qualquer país da UE.
Testes em larga escala já estão no terreno
Desde abril de 2023 que decorrem testes-piloto em 26 Estados-Membros, bem como na Noruega, Islândia e Ucrânia, envolvendo mais de 550 organizações. O objetivo é aferir segurança, interoperabilidade e facilidade de utilização antes do lançamento oficial.
A UE quer ultrapassar a fragmentação existente: algumas soluções digitais nacionais funcionam bem dentro das fronteiras do respetivo país, mas não têm verdadeira aplicação transfronteiriça. A nova carteira europeia tenta uniformizar o processo.
Onde poderá ser usada?
A expectativa é que a Identidade Digital Europeia tenha aplicação transversal: universidades, serviços de saúde, banca, hotelaria, rent-a-car ou plataformas digitais. Exemplos práticos incluem:
- Validar idade em serviços online;
- Apresentar uma receita médica sem papel;
- Demonstrar residência ao abrir conta bancária;
- Submeter contratos e documentos oficiais com assinaturas eletrónicas qualificadas.
A partilha digital de comprovativos poderá ainda eliminar deslocações a balcões e acelerar processos administrativos, desde pedidos de financiamento a inscrições em serviços públicos.
Privacidade no centro do processo
Uma das prioridades da UE é garantir que cada pessoa controla os dados que decide partilhar. A carteira funcionará sob o princípio da minimização de dados, permitindo fornecer apenas a informação exata necessária em cada contexto.
As assinaturas eletrónicas qualificadas, integradas na carteira, terão validade jurídica em toda a UE, reforçando segurança e confiabilidade.
Contributo português: saúde como área de teste
Portugal tem tido um papel relevante através dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), que participaram na ação europeia POTENTIAL. Os pilotos testaram credenciais digitais em farmácias e o desenvolvimento de um Health ID para validar identidade no acesso a cuidados de saúde.
Os testes confirmaram ganhos de segurança, privacidade e experiência do cidadão, ao mesmo tempo que demonstraram que a arquitetura técnica comum (ARF) pode funcionar como base para interoperabilidade entre países.
O que acontece a seguir?
Os Estados-Membros preparam-se para disponibilizar a EUDI Wallet até 2026, enquanto as grandes plataformas digitais europeias deverão reconhecê-la até 2027. A Comissão Europeia espera integrar resultados dos pilotos ao longo de 2025, com implementação alargada até 2030.
Caberá depois a cada país criar condições para que todos os cidadãos possam usar a carteira digital no dia a dia, garantindo acessibilidade e igualdade de acesso.
A discussão sobre o futuro do Cartão de Cidadão, num contexto de desmaterialização crescente, ganha assim nova relevância. A carteira digital europeia não elimina, para já, a existência de documentos físicos, mas poderá reduzir de forma significativa a sua utilização.







