A necessidade aguça o engenho, diz o célebre ditado popular. E é nos piores momentos em que a necessidade mais se revela e em que o engenho e a criatividade são colocados à prova. Foi o que aconteceu na vila de Boticas, há 2 séculos atrás. Um fruto do acaso, motivado pela necessidade de proteger os bens da população das tropas francesas que então invadiam o país, acabou por criar o famoso Vinho dos Mortos.

Esta história leva-nos até ao ano de 1809, altura em que as tropas francesas, comandadas pelo general Soult, invadiram pela segunda vez Portugal. Quando os franceses invadiram a região, o povo, com medo que estes lhes pilhassem as suas colheitas e os seus outros bens, escondeu o que conseguiu, usando das formas mais expeditas: o vinho foi enterrado no chão das adegas, no saibro, debaixo das pipas e dos lagares.

Mais tarde, depois dos franceses terem sido expulsos, os habitantes recuperaram as suas casas e os bens que restaram. Ao desenterrarem o vinho, julgaram-no estragado. Porém, descobriram com agrado que estava muito mais saboroso, pois tinha adquirido propriedades novas.
Era um vinho com uma graduação de 10º/11º, palhete, apaladado, e com algum gás natural, que lhe adveio da circunstância de se ter produzido uma fermentação no escuro e a temperatura constante. Por ter sido “enterrado” ficou a designar-se por “Vinho dos Mortos” e passou a utilizar-se esta técnica, descoberta ocasionalmente, para melhor o conservar e optimizar a sua qualidade. Assim, nasceu uma tradição de “enterrar” o vinho pelo menos durante um ano, que se foi transmitindo de geração em geração.

Hoje são já poucos os agricultores que mantêm viva esta tradição, sendo certo, todavia, que são as vinhas sobranceiras à Vila de Boticas e da Granja, nas encostas aí existentes, que possuem as condições de clima e solo adequadas à produção deste precioso vinho, o qual, não sendo abundante, tem no entanto sabor agradável que bem merece ser apreciado.
A elaboração do Vinho dos Mortos é constituída por várias fases que dão origem a um vinho único. Este processo sofre um rigoroso processo de controlo, sendo que o resultado final só é obtido, caso todos os processos sejam respeitados executados de acordo com o planeado.

Em meados do mês de Novembro, começa a fase da plantação de novas castas, estas plantações apenas devem ser feitas encostas poentes de Boticas. Mais tarde, em Fevereiro é feita a poda das videiras, aduba-se e cava-se a vinha. Passados dois meses é feita a enxertia, o que leva as videiras a começar a rebentar com o calor da primavera. De seguida vem a fase das caldas de enxofre e sulfato, que se prolongam até à primeira semana de Agosto.
O momento mais alto do ano, a desejada vindima é realizada na primeira semana de Outubro. São dias de tradicional festa, onde se apanha a uva que vai dar origem ao Vinho. As uvas são depois transportadas para o lagar em que posteriormente são pisadas pelos homens que vindimaram.

O vinho começa a fermentar mantêm-se no lagar por cerca de seis dias Passando estes dias o vinho é retirado do lagar e vai para as pipas, onde continua a fermentação. Após o vinho já ter atingido a malolática, começa a fase de certificação. Quando esta estiver aprovada, é engarrafado.
Surge depois a fase mais emblemática de todo o processo. O vinho é enterrado debaixo das pipas e do lagar e cobre-se com saibro para estar a uma temperatura constante e sem claridade, onde fica cerca de seis meses. Por fim, no mês de Junho, chega a altura de provar a colheita do ano anterior. Uma colheita dá normalmente origem a um número limitado de garrafas e cada uma que chega à mesa, é um momento único de prazer.
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