Antes de Guimarães ser chamada berço da nação, antes de Afonso Henriques conquistar a sua independência, parte significativa do território português tinha outro centro de poder.
E não era em terras lusas. Era em Badajoz, cidade hoje espanhola, mas outrora coração de um reino muçulmano que se estendia muito para além da fronteira.
Um reino erguido no Guadiana
Badajoz nasceu em 875, fundada pelo rebelde Ibne Maruane, estrategicamente posicionada junto ao rio Guadiana. Foi a partir dali que, no início do século XI, se formou um dos mais importantes reinos muçulmanos da Península Ibérica: o Reino de Badajoz.
Entre 1013 e 1094, este território teve o seu auge, estendendo-se até às portas do Douro e controlando vastas zonas do Alentejo, Lisboa e até o Algarve.
Uma dinastia saída do inesperado
O primeiro grande nome da casa real de Badajoz foi Sabur, antigo escravo eslavo do califa de Córdova, que soube aproveitar a fragmentação do império andalusino para se proclamar soberano.
Depois dele, o poder passou a Abedalá ibne Alaftas, fundador da dinastia aftácida. Com astúcia militar e diplomacia, os aftácidas controlaram e agregaram outras taifas como Lisboa, Mértola e Santa Maria do Algarve.
Mas nem tudo era estabilidade. O reino enfrentou tensões com vizinhos cristãos e muçulmanos. E o golpe final chegou com os Almorávidas, em 1094, e mais tarde com os Almóadas, em 1151, que integraram o território nos seus impérios norte-africanos.
Cultura, ciência e convivência
Apesar dos conflitos, Badajoz foi um centro de efervescência cultural. Poetas, astrónomos e historiadores floresceram sob a protecção de governantes que se rodeavam de intelectuais e promoviam a criação de bibliotecas e escolas.
Era também uma cidade plural. Muçulmanos, cristãos moçárabes e judeus viviam lado a lado, mantendo as suas práticas e tradições. Esta convivência fazia-se sentir na arquitetura, na língua e nos mercados onde se misturavam produtos, sabores e ideias.
Entre o Alentejo e o Douro
A economia do reino assentava na agricultura, na pecuária e no comércio com o Norte de África e outros reinos ibéricos. O Guadiana era a via que transportava bens, saberes e histórias. Foi esse dinamismo que moldou a cultura de regiões como o Alentejo e o Algarve, bem antes da definição das fronteiras actuais.
Com a conquista de Badajoz por Afonso IX de Leão, em 1230, o reino desapareceu oficialmente. Mas a sua herança resistiu: nos costumes, nas palavras e nos traços das cidades que em tempos lhe pertenceram.
Um legado (quase) esquecido
O Tratado de Alcanizes, em 1297, fixou finalmente a fronteira entre Portugal e Castela. Badajoz ficou do lado espanhol.
Mas o seu passado como capital de metade do que é hoje Portugal continua pouco conhecido por quem atravessa o Alentejo em direção à Extremadura espanhola.
Mais do que uma nota de rodapé na História, Badajoz é testemunho de uma época em que a Península era feita de cruzamentos, alianças e transformações culturais.
E de como, mesmo antes de existir Portugal, já por cá se desenhavam mapas complexos e identidades múltiplas.










