A passagem da depressão Cláudia, na última semana, voltou a expor a vulnerabilidade do território a fenómenos meteorológicos severos. Cheias rápidas, ventos fortes, quedas de árvores e danos significativos levaram a mais de quatro mil ocorrências e à morte de três pessoas, segundo os dados divulgados pelas autoridades. As regiões de Setúbal, Porto e Algarve estiveram entre as mais atingidas, com episódios de precipitação intensa e rajadas repentinas.
Em Albufeira, um tornado fez uma vítima mortal, uma mulher de 85 anos de nacionalidade britânica, e causou estragos num hotel e num parque de campismo. As imagens circularam por vários países europeus, reforçando a surpresa perante um fenómeno ainda visto como raro no litoral sul.
A instabilidade associada à depressão Cláudia estendeu-se também a Espanha, Irlanda, Inglaterra e País de Gales, onde se registaram inundações significativas.
Fenómenos extremos semelhantes têm sido cada vez mais noticiados. A DANA que atingiu Valência, em outubro do ano passado, provocou mais de 200 mortes. Um ano depois, Ibiza sofreu inundações severas, e a tempestade Benjamin afetou várias zonas de França. Para os especialistas, estes eventos fazem parte de uma tendência mais ampla.
A formação dos tornados e a dificuldade em antecipá-los
O meteorologista Paulo Pinto, do IPMA, explicou à Euronews que o tornado observado em Albufeira se formou a partir de uma supercélula, um sistema convectivo organizado capaz de gerar vórtices ascendentes.
Este tipo de instabilidade resulta de diferenças significativas entre ventos registados a baixas e a grandes altitudes, criando condições para a rotação que dá origem ao tornado.
Carlos da Camara, climatologista do Instituto Dom Luiz, acrescenta que a depressão responsável pelos episódios mais severos é uma depressão fria, distinta das depressões frontais rápidas. Este tipo de sistema cria um núcleo de baixas pressões cujos ventos rodam em torno do centro, favorecendo chuva intensa, trovoadas e rajadas localizadas.
A previsão de tornados continua, no entanto, limitada. Apesar de radares, satélites e modelos numéricos, a falta de observação na baixa troposfera impede a identificação do tornado propriamente dito. O radar deteta o mesociclone, mas não o vórtice final, o que impossibilita alertas precisos de local e hora.
Alterações climáticas aumentam o risco
Os especialistas sublinham que fenómenos severos não são inéditos em Portugal, mas reconhecem um aumento na probabilidade da sua ocorrência. A energia adicional acumulada na atmosfera, associada ao aquecimento global, intensifica instabilidades e facilita a formação de ventos fortes.
A redução do contraste térmico entre regiões polares e equatoriais favorece ondulações atmosféricas que tornam as depressões frias mais frequentes.
No caso dos tornados, o padrão é semelhante: as condições atmosféricas necessárias continuam raras, mas ocorrem com maior facilidade em períodos de instabilidade marcada.
Falhas na cultura de risco
Apesar da emissão atempada de avisos meteorológicos, vários especialistas apontam fragilidades no comportamento das populações face ao risco. Carlos da Camara destaca situações recorrentes de exposição a perigo, como a aproximação a falésias ou a prática de atividades ao ar livre em dias de alerta elevado.
A geógrafa Adélia Nunes defende um reforço da educação para o risco desde a escola e a realização de campanhas regulares de sensibilização. A falta de literacia climática, afirma, contribui para vulnerabilidades evitáveis.
Urbanização e impactos agravados
As inundações registadas em zonas urbanas continuam a denunciar falhas estruturais no ordenamento do território. A impermeabilização crescente dos solos, redes de esgotos insuficientes e sistemas de drenagem incapazes de escoar grandes volumes de água agravam os impactos de episódios de chuva intensa.
A Agência Portuguesa do Ambiente identifica atualmente 63 áreas com risco potencial significativo de inundação, abrangendo mais de 100 mil pessoas. Especialistas alertam, porém, que a expansão urbana para zonas de leito de cheia e a irregularidade dos fenómenos podem aumentar este número nos próximos anos.
A ausência de cartografia de risco integrada nos processos de planeamento urbano é considerada uma das falhas persistentes. Adélia Nunes defende instrumentos legais mais claros e uma fiscalização eficaz para garantir que as autarquias cumprem as normas de ordenamento.
Cidades mais expostas exigem novas estratégias
As áreas urbanas são particularmente vulneráveis devido ao solo impermeável e a infraestruturas de drenagem frequentemente subdimensionadas. Regiões como Tejo e Oeste, bem como zonas associadas aos rios Vouga, Mondego e Lis, concentram vários municípios em risco elevado.
Para os investigadores, a adaptação das cidades é inevitável. A ausência de medidas estruturais pode traduzir-se em danos humanos e materiais cada vez maiores. A resposta exige políticas que integrem gestão territorial, prevenção, reabilitação urbana e estratégias de adaptação climática







