A possibilidade de ver o ordenado reduzido não costuma fazer parte das preocupações do dia a dia dos trabalhadores. Porém, em determinadas circunstâncias, essa redução pode mesmo acontecer.
A legislação portuguesa é clara quanto às regras aplicáveis e define limites rigorosos sobre quando e como uma entidade empregadora pode proceder a um corte salarial.
A regra geral: redução do salário é ilegal
O Código do Trabalho estabelece que o empregador não pode reduzir unilateralmente o vencimento base. A única situação prevista na lei em que isso pode ocorrer de forma legítima é quando existe simultaneamente uma redução do período normal de trabalho, o que se aplica, por exemplo, a uma passagem de tempo completo para tempo parcial.
Esta regra geral está inscrita no artigo 129.º, que protege o trabalhador contra alterações unilaterais às condições contratuais, especialmente no que diz respeito à retribuição.
As exceções permitidas pela lei
Apesar de a redução salarial ser, por princípio, proibida, existem exceções previstas no Código do Trabalho, desde que cumpridos determinados requisitos.
1. Instrumento de regulamentação coletiva de trabalho
Uma redução do salário só pode ser considerada válida se for estipulada num instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Mesmo acordos individuais entre empregador e trabalhador não têm validade se não estiverem enquadrados por esse instrumento.
2. Autorização da Autoridade para as Condições do Trabalho
O artigo 119.º prevê uma outra situação: a redução pode ocorrer quando exista acordo entre ambas as partes e esta alteração seja autorizada pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). Neste caso, a diminuição salarial deve estar devidamente fundamentada e seguir um procedimento formal.
3. Mudança para trabalho a tempo parcial
Quando um trabalhador reduz o horário e passa a desempenhar funções a tempo parcial, a retribuição ajusta-se proporcionalmente. Aqui, a diminuição salarial é considerada inevitável.
Consequências de reduzir o ordenado sem fundamento legal
Se a entidade empregadora reduzir o salário sem que exista qualquer enquadramento legal ou contratual que o permita, está a cometer uma contraordenação muito grave. Nestes casos, o trabalhador pode exigir a reposição do valor e recorrer aos mecanismos legais de proteção laboral.
Quando podem surgir cortes salariais?
Em algumas situações, a redução do montante recebido pode acontecer de forma indireta. Entre os casos mais comuns estão:
- dificuldades financeiras da empresa e implementação de medidas de recuperação acordadas com os trabalhadores;
- pagamento de impostos, contribuições ou dívidas diretamente descontadas no vencimento;
- cumprimento de decisões judiciais que obrigam a indemnizar a empresa;
- aplicação de sanções pecuniárias no âmbito disciplinar;
- pagamento de despesas assumidas pela empresa, como refeições, combustível ou telefone, quando solicitadas pelo trabalhador;
- diminuição da carga horária associada a uma quebra de produção.
Independentemente da situação, existe um princípio essencial: qualquer redução deve ser comunicada e justificada, nunca imposta sem aviso.
A necessidade de autorização do trabalhador
O empregador não pode reduzir o ordenado sem o consentimento do trabalhador, exceto nas situações especificamente previstas na lei.
Quando a redução resulta de acordo entre ambas as partes, deve estar associada a uma alteração proporcional do horário de trabalho e ser apresentada como uma solução temporária.
Se assim não for, há violação da lei.
O que fazer perante uma redução ilegal?
Quando a entidade empregadora reduz o ordenado de forma unilateral e sem enquadramento legal, o trabalhador pode invocar justa causa para rescindir o contrato, conforme previsto no artigo 394.º.
Nestes casos, é essencial procurar apoio junto da ACT, que tem competência para analisar e intervir em situações de incumprimento das normas laborais.
É também possível apresentar queixa à Segurança Social, mantendo o anonimato se necessário.
A redução de ordenado é uma medida séria e excecional, sempre sujeita a regras muito claras. Conhecer a legislação e os próprios direitos é fundamental para reconhecer quando uma alteração é legítima e quando configura abuso.







