No coração do Minho, em Tabuadelo, Guimarães, ergue-se um solar que atravessou seis séculos sem perder a sua identidade. O Paço de São Cipriano é hoje um exemplo raro de como o património privado pode resistir ao tempo, reinventar-se e manter relevância cultural.
Construído no século XV, o paço nasceu com uma função de acolhimento aos peregrinos que percorriam o Caminho de Santiago.
Durante séculos esteve associado à Ordem de São Domingos, o que lhe garantiu não apenas prestígio espiritual, mas também um papel central na vida social da região.
No século XVIII, Domingos Gonçalves Cibrão ampliou a propriedade e ergueu a Capela de Santo António, ainda hoje um dos espaços mais notáveis pela riqueza da talha dourada.
O edifício voltaria a transformar-se no final do século XIX, quando João da Costa Santiago chamou o arquiteto veneziano Nicola Bigaglia para introduzir elementos neogóticos e neorromânicos.
O resultado foi uma fusão invulgar de estilos, onde a herança medieval convive com traços românticos e renascentistas, criando uma identidade arquitetónica única no panorama português.
O paço, porém, não se destacou apenas pela arquitetura. No início do século XX, sob a posse de Dom Carlos de Sottomayor, tornou-se espaço de encontro para monárquicos em tempos de instabilidade política, depois da implantação da República.
Mais tarde, acolheu hóspedes ilustres como Humberto II de Itália, reforçando a ligação entre o solar e a elite política e cultural europeia.
Com o tempo, o Paço de São Cipriano consolidou-se também como palco de eventos culturais. Concertos de música clássica, encontros artísticos, sessões fotográficas e produções televisivas transformaram-no num espaço onde história e cultura dialogam em permanência.
Em 1982, abriu-se uma nova etapa: o solar adaptou-se ao turismo de habitação, permitindo aos visitantes pernoitar entre as suas paredes de granito. O projeto foi pioneiro e deu ao paço uma nova vida, preservando ao mesmo tempo a sua autenticidade.
Hoje, a experiência inclui os jardins amplos, o pátio com lago central, a torre ameada e interiores decorados com mobiliário de época. Nos salões ainda ecoa a atmosfera senhorial, enquanto a capela privativa e os frescos murais reforçam a dimensão histórica do espaço.
O Paço de São Cipriano representa, em última análise, um exemplo de continuidade. Um lugar onde a memória do passado não ficou cristalizada, mas antes reinventada, capaz de acolher turistas internacionais sem perder o carácter de residência senhorial minhota.
Num país onde muitos solares caíram em ruína ou foram descaracterizados, este paço mantém-se como símbolo de um património vivo — um espaço onde história, política, arte e hospitalidade se encontram.










