Para perceber esta “epidemia” de freiras e beatas grávidas que assolou Portugal e a Europa no século XVII é necessário contextualizar e explicar o que se passava e pensava naquela época. Antes de mais nada, importa esclarecer os nossos leitores que a típica mulher que no século XVII se tornava reclusa num convento não o fazia, na maioria dos casos, por decisão própria.
Eram obrigadas a isso pelos pais ou, como não tinham direito a qualquer herança (só o filho mais velho podia herdar) a única hipótese que tinham para sobreviver, caso não arranjassem marido, era tornarem-se freiras.

Pouco antes do ano 1666 começaram a correr rumores e interpretações que indicavam que o mundo terminaria nessa data com a segunda vinda de Jesus Cristo. A lógica era simples: ao milénio era acrescentado o número associado ao demónio (666), ou seja: 1000+666= 1666.
Os mais fervorosos cristãos da época acreditavam que o fim do mundo estaria próximo e começou a surgir um fenómeno curioso: por todo o lado apareciam freiras, monjas e beatas que diziam estar grávidas e carregavam no seu ventre o próprio Jesus Cristo, naquilo que se começou a designar por “parto místico”.
Quando indagadas sobre quem era o pai do filho que traziam no ventre, respondiam que era o próprio Deus, um anjo ou o espírito santo. A explicação não convencia a Inquisição, que actuava segundo as normas da época, condenando as ditas freiras à morte na fogueira. O fenómeno assolou toda a Europa, como se disse. Em Portugal, segundo os relatos da época, terão sido algumas centenas os casos de freiras grávidas que diziam ser as mães de Jesus Cristo.
A fuga para um convento significava liberdade
Sabem para que era que, no século XVIII, as meninas fidalgas se faziam freiras? Para que era que se amortalhavam numas varas de burel e se sepultavam vivas numa claustra de mosteiro? Para terem liberdade. Nada mais absurdo; e, entretanto, nada mais verdadeiro.
As grades dos conventos chegaram a representar, para a mulher portuguesa de 1700, alguma coisa de parecido com uma libertação. Porque era severa a tirania patriarcal da família? Porque era rigorosa a reclusão quase monástica do lar? Porque a casa paterna era um cárcere?
Por todas estas razões, – e ainda pela razão oposta de que no século XVIII, mercê da absoluta falta de observância das constituições e das regras, a vida dos mosteiros de freiras foi a coisa mais divertida deste mundo.
E, se não o tivesse sido, como se compreenderiam as fugas constantes de mulheres nobres, sobretudo para os claustros seráficos – fugas com todo o carácter ligeiro de raptos amorosos – como em 1728 a da filha dos condes de Tarouca, D. Mariana Josefa, que iludiu a vigilância dos pais e abalou de noite para o mosteiro das carmelitas calçadas de Carnide, protegida na fuga pelo conde de Alvor e pelo próprio D. João V, que lhe mandou um coche e criados da Casa Real?
Este conceito da vida conventual, tão excessivamente profano e utilitarista, que não era fácil conciliá-lo com os votos de castidade e de pobreza, fez convergir todas as energias da freira para uma preocupação única: a sedução do homem.
As freiras moças só tinham um pensamento: agradar. As freiras velhas só tinham uma ocupação: tirar o maior partido possível dos encantos das freiras moças. Todas estavam de acordo, desde as hierarquias solenes, trôpegas e septuagenárias, até à virgindade tímida das últimas professas: o dever da freira era, antes de tudo, procurar ser bela.
A regra proibia-o? A constituição opunha-se? Atirava-se a constituição e a regra por cima dos moinhos. Em breve os mosteiros portugueses, que Besenval considerava tão impuros como o próprio D. João V, trasbordaram de freiras-bandarras, de freiras-sécia, de freiras-franças, de freiras-casquilhas.
A elegância entrou nos claustros. Hábito, escapulário, cordão, toalha, véu, as próprias sandálias das capuchas, das carmelitas, das agostinhas descalças, insígnias de renuncia e de expiação, de penitência e de humildade, transformara-se pouco a pouco, sobre a carne rósea e doirada dessas pródigas de amor, em armas terríveis de sedução e de escândalo.
Nos flirts do locutório, nas comédias do convento, nas grades de doce, nos tonos de viola, nos outeiros de abadessado, as freiras casquilhas principiaram a aparecer pintadas, mosqueadas de sinais, perfumadas de água de Córdova, as mãos finas metidas em regatos de arminho, o hábito decolado “o abanico desinquieto no reparo do rosto”, sofraldando-se, dançando minuetes, mostrando as pernas – diz frei Manuel Velho, em 1730, nas Respostas duma freira capucha– calçadas “de meias e de sapatos picados, rocados de seda, de tissum, com fivelas de oiro, de prata, de pedras preciosas”.
As bernardas portuguesas tornaram-se célebres, entre todas, pela elegância profana dos seus hábitos, pelo excesso ridículo das suas pinturas. Nuns versos inéditos do mesmo códice 8581, as freiras de Santa Clara de Coimbra acusam sem rebuço as bernardas de Celas de “caiarem os rostos”, de “porem cores vermelhas” e de se mostrarem aos amantes “disfarçadas e cobertas como pírulas douradas”.
O escândalo das freiras-casquilhas chegara a tal ponto, que em 1778, diz o ci-devant duque de Châtelet, “poucas eram as bernardas de Odivelas que não tinham o seu amante, e raras as que vestiam os hábitos da Ordem”.
Das casas de religiosas portuguesas do século XVIII, e, em especial, dos mosteiros ricos de bernardas, de beatas, de maltesas e de cónegas, podia dizer-se sem grande injustiça o que o grave Saint-Simon disse um dia de certo convento de capuchas da Bretanha:
– “Se alguma freira sai de lá, é porque quer ser uma mulher honesta”.
Muito interessante toda esta história.
Muito interessante estes trechos da nossa historia