Durante décadas, na ditadura, Cambedo da Raia, no concelho de Chaves, foi uma aldeia maldita. O seu povo – hoje não mais de cem pessoas mas em tempos o triplo – era visto por um povo de malfeitores, acolhedor de foras-da-lei, criminosos de delito comum cuja companhia havia que evitar. Essa foi a narrativa criada pelo Estado Novo para explicar os acontecimentos que tiveram lugar dias antes do Natal de 1946.
A Guerra Civil de Espanha já estava oficialmente terminada desde 1939 mas o regime franquista continuava em busca de guerrilheiros galegos anti-fascistas.

Ora em Cambedo da Raia e noutras aldeias da raia transmontana escondiam-se alguns deles. Em 20 de Dezembro de 1946, ao raiar do dia, a aldeia acordou cercada por dezenas de efectivos da GNR, Guarda Fiscal e até alguns agentes da PIDE – tudo apoiado por efectivos da Guardia Civil espanhola. Vieram depois reforços da PSP e até do Exército (tropas do Regimento de Caçadores 10, de Chaves).
Choveram morteiradas sobre a aldeia – ainda hoje uma casa permanece destruída -, buscas casa a casa, confrontos directos entre os guerrilheiros e as autoridades, um inferno que se prolongou durante dois dias. Dois dos guerrilheiros procurados acabaram mortos, um terceiro foi preso.
Cerca de duas dezenas de pessoas de aldeia foram presas, durante mais de um ano, acusadas de colaborarem com a resistência anti-franquista. Nos confrontos também terão morrido dois soldados da GNR.
Um dos últimos maquis criados no final da Guerra Civil Espanhola situou-se na zona raiana entre Trás-os-Montes e a Galiza. Os guerrilheiros – anarquistas, socialista e comunistas – procuravam refúgio nas aldeias do lado português, atacando os alvos franquistas do outro lado da fronteira.
Uma dessas aldeias era Cambedo da Raia. Devido a uma denúncia, a aldeia foi cercada por centenas de efectivos militares portugueses e espanhóis, Pides, GNR, Guarda Fiscal, etc., no dia 20 de Dezembro de 1946.

Da Batalha do Cambedo, resultou a morte de dois guerrilheiros – Juan Salgado Rivera e Bernardino Garcia, que terá preferido suicidar-se a render-se; a morte de dois guarda-republicanos, José Joaquim e José Teixeira Nunes; alguns feridos, incluindo uma menina; e foram presos oito galegos e 55 portugueses, dezoito dos quais de Cambedo.
A história foi quase ocultada na altura. Hoje vão-se conhecendo pormenores. É mais um momento importante da solidariedade raiana entre o povo português e os resistentes espanhóis, tal como aconteceu noutros lugares fronteiriços, como, por exemplo, Barrancos.
Comments 1